Piso sujo de pó branco, mãos sangrando, corpos atirados no chão, gritaria por todos os lados. O que poderia ser cena de um crime é, na verdade, apenas um dia normal em uma academia de crossfit. Ou melhor, em um box, como carinhosamente é chamado o local dos treinos. Quem olha de fora acha tudo muito louco. Quem faz parte desse dia a dia alucinante, porém, não mede esforços ao tentar traduzir tamanho vício.
A modalidade esportiva que vem ganhando cada vez mais adeptos ultrapassou o limite do real e, agora, toma conta também do campo virtual. Assunto não falta: seja no Instagram, YouTube ou TikTok, tanto para tirar sarro daqueles que pregam a palavra do cross quanto para motivar os famosos scales — praticantes que ainda não dominam todos os exercícios — a desenvolver novas habilidades. Um desses perfis que vislumbrou nas redes sociais uma maneira de conquistar muito mais do que o almejado engajamento foi o de Gustavo Cunha, 38 anos.
Paulista nascido em Santos, o gestor de negócios deixou de lado a carreira para se dedicar a produzir conteúdos de humor relacionados a crossfit. A conta @ogustavocunha tem cerca de 181 mil seguidores como consequência de um insight despretensioso.
— Desde que eu me vejo por gente, me sinto muito confortável em palco, me apresentando para pessoas. Ao mesmo tempo, sou um pouco tímido. Na adolescência, passei a usar a minha timidez como arma contra ela mesmo. Eu meio que trazia uma "carta de apresentação" minha já utilizando de humor, tentando sempre descontrair o ambiente — comenta.
Formado aos 30 anos em teatro pela Escola de Atores Wolf Maya, estava certo de que não rolariam oportunidades artísticas para ele. Foi quando entrou para o crossfit. A data é cravada: 24 de junho de 2015. Ele lembra com precisão porque foi no mesmo dia em que um acidente de carro matou o cantor Cristiano Araújo e sua namorada, Allana Moraes, assunto que comoveu quem estava no box.
A ordem para ingressar em uma nova atividade física veio por parte da esposa, Nanne Rodrigues, que usou Gustavo como cobaia:
— Ela (Nanne) encontrou, nesses sites que dão descontos, uma promoção de um box por R$ 100. Me matriculou por livre e espontânea pressão. Entrei, acabei pegando o gosto pelo negócio e nunca mais saí. Já vão fazer sete anos.
No início da pandemia de covid-19, em 2020, um dos primeiros decretos publicados por prefeituras de todo o Brasil obrigou o fechamento de academias. Realizar os treinos de crossfit por meio de aplicativos, em casa, foi a solução para driblar o isolamento social. Uma realidade longe de imitar aquela hora intensa de movimentos que unem técnicas de levantamento de peso, ginástica olímpica e atletismo.
Bateu a saudade e bingo! Brecha perfeita para tentar alegrar um pouco o período difícil com o qual o país começava a se familiarizar. Isso foi o que passou pela cabeça de Gustavo, que não pensou duas vezes quando pegou o celular e, sem grandes recursos audiovisuais, gravou um vídeo reclamando da nova rotina. O objetivo era fazer seus amigos relaxarem um pouco, mas a repercussão surpreendeu.
— Postei num sábado. Fui dormir e quando acordei, no domingo, tinham 60 mil visualizações. Gente do Brasil e de fora comentando e mandando mensagens do tipo: "Nossa, que vídeo genial". A partir daquele momento, sites e perfis grandes do crossfit me chamaram. Vi nisso uma oportunidade, pois é o que eu gosto de fazer, é o que eu sei fazer — recorda.
A partir de então, foram vídeos atrás de vídeos, todos permeados de muita "ironia, sarcasmo e crossfitês", como descrito na bio. Mesmo tendo uma equipe assessorando sua carreira, a edição dos vídeos é feita por conta própria, bem como as filmagens — com eventuais ajudas da esposa, que, em uma inversão de papéis, virou a cobaia. O sucesso nas redes sociais exigiu uma rotina atenta a métricas. Para mensurar tamanha popularidade, no entanto, bastou um convite.
Shows lotados
A virada de chave ocorreu quando veio o chamado para participar do Monstar Games (maior evento fitness da América Latina), em Goiânia, no ano passado, uma das primeiras aparições em público depois do isolamento. A euforia dos fãs tietando o humorista chamou atenção de um membro da equipe de marketing do evento. Dias depois veio uma ligação:
— O cara ficou interessado, fez contato comigo e falou: "Mano, o que você acha de fazer um stand-up seu?". E já marcaram a primeira apresentação pro dia 1º de maio (de 2022), no Teatro Renaissance, aqui em São Paulo, um show para 500 pessoas. Eu topei. E ele perguntou: "Já tem texto?". Falei que sim, mas não tinha. Comecei a escrever, testava e dava apenas 20 minutos de duração. Pensei mais um pouco. Peguei mais ou menos o fio da meada de vídeos que deram bastante repercussão. Fui fazendo, ensaiamos e deu uma hora exata.
Os 500 lugares para a noite de estreia esgotaram em cinco dias e assim nasceu o espetáculo Minha Vida, Sem Adaptações. O título sugestivo vem do fato de Gustavo admitir que adapta alguns movimentos nos treinos para facilitar, mas em cena as verdades são ditas na lata — sem aquela "roubadinha" típica de um workout of the day (WOD). O enredo, por sua vez, circula em torno das experiências que todo praticante de crossfit já vivenciou alguma vez: a primeira competição, exercícios em dupla, turma das seis horas da manhã, entre outros temas.
— Falo sobre tudo isso utilizando o principal material, que sou eu mesmo, para a galera se identificar através disso — afirma.
Atendendo a pedidos, Minha Vida, Sem Adaptações chega ao palco do Porto Alegre Comedy Club (Rua 24 de Outubro, 1.454) nesta sexta-feira (29) em duas sessões, uma às 19h e outra às 21h, ambas com ingressos esgotados. A apresentação faz parte de uma turnê que já passou por São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Goiás. Outros Estados estão na mira. Sobre a expectativa para mais um show lotado, algo que vem se tornando frequente, o humorista ressalta:
— Tenho quase 39 anos de idade e as coisas foram acontecer pra mim há dois anos. Tem gente que me vê pessoalmente e chora, me abraça. Eu não tenho preparo nenhum para isso, não sei nem como reagir. Prefiro não me melindrar, mas eu fico sempre muito feliz, satisfeito e emocionado.