E se Malhação, novela juvenil exibida em 27 temporadas pela TV Globo, tivesse sido ambientada em Porto Alegre? O Múltipla Escolha, colégio particular que serviu como cenário para a trama adolescente em diferentes anos, talvez fosse o Anchieta ou o Farroupilha. Já a Vagabanda, banda de rock formado por alunos da escola que foi destaque na edição de 2004, por aqui poderia ser a Keepers ou a Doyoulike?. A lanchonete Gigabyte, point oficial da galera na Malhação 2001, talvez fosse o Complex. Enfim, muitas são as adaptações possíveis, e algumas delas foram pensadas pelo Malhassaum, perfil no Instagram que transpõe a novelinha da Globo para o universo da capital gaúcha.
Quem está por trás da empreitada é o gaúcho Dig Verardi, 28 anos, e a paranaense Fernanda Fuchs, 31, ambos humoristas e atores de formação. A inspiração inicial veio de Fernanda, que há tempos já tinha o hábito de interpretar personagens típicos de Malhação, com sotaque carioca carregado e diálogos recheados de melodrama juvenil, para brincar entre amigos. Foi a mesma brincadeira que ela apresentou a Dig em 2017, quando os dois se conheceram nos bastidores de uma competição de humor promovida pelo canal Multishow.
— Ela me contaminou totalmente com isso — lembra ele, divertindo-se.
A iniciativa de criar a conta no Instagram ocorreu em 2018. No início, os dois publicavam séries de vídeos que pareciam mesmo uma temporada da novela, com diferentes personagens e uma trama roteirizada de acordo com o padrão conhecido por quem assistiu Malhação. Os personagens eram cariocas, pois era esta a brincadeira criada por Fernanda, mas havia uma gaúcha: Thereza Blunch, patricinha vinda de Porto Alegre interpretada por Dig.
Foi por causa dela que o perfil começou a estourar entre o público do Rio Grande do Sul. Estourou tanto que os dois criadores resolveram mudar o rumo de Malhassaum e fazer dele uma "novela" gaúcha. A virada ocorreu em meados do ano passado, quando os vídeos começaram a deixar de lado o sotaque de R puxado e passaram a investir em expressões como "bah" e "tri legal". Viralizou, e o número de seguidores da página saltou rapidamente de cerca de 1,5 mil para 17,2 mil, que atualmente acompanham os vídeos da trama, agora ambientada em Porto Alegre.
— Não compramos nenhum seguidor. Pensamos? Pensamos! Mas não compramos (risos). A gente cresceu de uma forma muito orgânica, estamos surfando numa onda deliciosa, no Guaíba — brinca Fernanda.
Para os criadores, o sucesso se deu principalmente pela identificação que a página despertou nos jovens porto-alegrenses desde essa mudança. A maioria do público que segue o perfil, conforme eles, é de Porto Alegre e é jovem. Ou seja, provavelmente já viveu alguma das situações retratadas ali ou identifica a si e/ou a algum conhecido nos personagens criados pelos dois.
Os personagens, aliás, ganharam ainda mais notoriedade nos últimos meses, quando Dig e Fernanda deram um tempo na publicação dos vídeos em formato de novelinha e passaram a investir em esquetes curtas interpretando perfis considerados típicos entre a juventude porto-alegrense. É o caso de Thereza Bluntch, a personagem que inspirou a adaptação da página ao universo da Capital, que estrela um vídeo intitulado "Patricinha Gaúcha", um dos mais assistidos da página, no qual fala frases como "eu estudei ali no Farroups (apelido do colégio Farroupilha), mas me mudei para o Unificado da Nilo" e "bah, foi maravilhosa a tarde com as gurias no Iguatemi".
Além da patricinha, há vídeos interpretando perfis como o emo, o surfista, a jovem mística, a prenda, o skatista e o jovem de esquerda estudante da UFRGS, entre outros. Em comum, quase todos os personagens têm o fato de serem oriundos da classe média, estrato social que, no fim das contas, intencionalmente acaba sendo o grande alvo de deboche das publicações, conforme os criadores.
— No nosso lugar de comediante, a gente sempre se pergunta sobre o que vai estar rindo. Eu não quero fazer uma piada com quem já é oprimido, eu quero fazer piada com quem está por cima, com a elite. Odeio aquelas comédias que ficam zoando e estereotipando pobre. A gente não quer ser esse tipo de comediante babaca — explica Dig.
— E uma coisa que é legal de dizer é que a gente brinca com essas figuras, mas a gente também é essas figuras. Eu sou uma jovem mística, já fiz muitas das coisas que aquela personagem faz. Então, a gente consegue brincar com o nosso próprio universo, e isso é muito legal, porque a gente já foi esses personagens e ainda é de alguma maneira — completa Fernanda.
Outra característica marcante de Malhassaum é a estética amadora — ou aquilo que Fernanda chama de "a nossa precariedade". Não há uma superprodução por traz dos vídeos, nem a melhor qualidade de imagem e de som, tampouco uma caracterização elaborada, mas é justamente essa falta de estrutura que torna tudo ainda mais engraçado.
— A gente tem tanta cara de pau que as pessoas acabam comprando essa nossa estética — brinca Fernanda.
Por falar em comprar, nesse ano os dois iniciaram o projeto de monetizar os conteúdos que produzem para a página. Dig e Fernanda criaram um crowdfunding na plataforma Apoia-se, onde, todo o mês, os seguidores são convidados a contribuírem com valores a partir de R$ 5. A iniciativa é importante para a sustentabilidade do projeto, mas também para que o público compreenda que, por traz de cada vídeo divertido postado, existem dois artistas fazendo o seu trabalho.
— Enquanto artistas, a gente quer trabalhar. A gente se diverte muito ali, mas é também o nosso trabalho. Tentamos bater sempre nessa tecla de que somos artistas, estudamos, fizemos faculdade e, apesar de nos divertirmos, esse é o nosso ofício — comenta Fernanda.
E também é o que deu para fazer, como brinca Dig:
— Quando fui para a faculdade de Teatro, ouvia muito o clássico: "Quando vou te ver na Malhação, querido?". Parece que quando a gente vai fazer teatro precisa almejar isso. Então, eu não fui fazer Malhação, mas fiz a minha própria Malhação.