Após alguns adiamentos desde 2020, a banda Kiss finalmente traz seu show derradeiro a Porto Alegre nesta terça-feira (26), na Arena do Grêmio. Será a terceira apresentação do grupo na capital gaúcha, por onde passou em 1999 e 2012. Desta vez, a banda vem com a turnê de despedida End of The Road Tour – o Kiss anunciou o fim de sua longa trajetória dedicada ao rock‘n’roll em 2018. A atual formação da banda conta com Paul Stanley (voz e guitarra), Gene Simmons (voz e baixo), Eric Singer (baterista) e Tommy Thayer (guitarra). Aos 72 anos, Simmons sempre foi o homem de negócios do Kiss, tomando a frente em diferentes empreendimentos. Mas é também um homem da arte: no isolamento, ele se reencontrou com a pintura. Nesta entrevista a GZH, faz um balanço da trajetória e comenta sobre o fim da banda, sobre seus demais projetos e esta última turnê.
Muitas datas da turnê de despedida do Kiss tiveram que ser reagendadas. Nos últimos dois anos, houve alguma atualização ou incremento no show?
Tivemos tempo para adicionar mais efeitos especiais e surpresas. O show que vocês verão no Brasil e no resto do mundo será fantástico.
O que podemos esperar dessa apresentação?
Estamos realizando turnês há muito tempo, há quase meio século. E estes são os maiores e melhores shows que já fizemos. Já levamos esse espetáculo a cerca de 150 cidades e devemos levar a outras cem antes de encerrarmos a turnê. É um show monstruoso que estamos trazendo para o Brasil. Teremos plataformas, que irão subir e descer durante a apresentação. Não faltará fumaça, telões gigantes, Paul voando sobre o público. Eu também voarei para o topo do sistema de iluminação. E o nosso baterista também fica suspenso no ar. Ninguém mais faz isso. É a melhor coisa que já fizemos.
O show em Porto Alegre estava previsto originalmente para maio de 2020, foi transferido para novembro. Depois, para outubro de 2021 e, enfim, foi reagendado para a data atual. Como você se sentiu com essas mudanças todas?
Foi assim para todo mundo, não apenas para as bandas de rock. Seja um professor ou um motorista de caminhão, todos tivemos nossas vidas afetadas. A pandemia nos obrigou a agir assim. Aliás, seu presidente (do Brasil) está mais realista agora, reconhecendo que se trata de uma pandemia, ou segue achando que nada disso é real?
Você teve covid-19. Como sua vida mudou no período pandêmico?
Tive muito tempo livre, o qual passei no Canadá, na floresta. E comecei a pintar. Eu não sabia que ainda conseguia pintar. Tive uma exposição de pinturas em Las Vegas, e todas foram vendidas. Algumas delas grandes, de 2m50cm por 1m20cm. Lançamos um gin licenciado pelo Kiss, o Cold Gin. Fiz uma nova parceria com a Gibson, que vai proporcionar novos instrumentos. Começamos a desenvolver o projeto do museu da banda, em Las Vegas. Milhares de itens da nossa memorabília ficarão lá. Lançamos um documentário (KISStory) e temos um filme previsto (Shout It Loud, cinebiografia da banda ainda sem data de estreia), muita coisa acontecendo. Esses dois anos longe dos palcos nos possibilitaram abraçar outros projetos.
Você já comentou em entrevistas que tem desenhado secretamente por toda a sua vida, desde quando era criança. Como foi o reencontro com esse seu outro lado artístico?
No Canadá, fiquei longe das pessoas. Não havia ninguém ao redor. Comecei a pintar para mim mesmo, pois tinha bastante tempo livre. Eu não sabia nada sobre pintura, fazia isso para me satisfazer. Aparentemente, é um grande negócio, pois vendi tudo! A mais cara custou US$ 245 mil.
Como você se sente agora que as turnês com o Kiss estão acabando? Não haverá mais viagens, estádios lotados, multidões em volta.
O último show será muito triste, mas também muito feliz. Triste porque tivemos tantos momentos bons que é difícil parar. Fizemos muitos amigos, conhecemos tantos fãs dos diferentes lugares que visitamos. Mas chega uma hora em que você precisa ir para casa. É como aquele momento em que você deixa a casa de seus pais para começar um novo capítulo da sua trajetória. Você cresceu com os pais, mas em algum ponto vai deixar a casa deles para viver por conta própria e iniciar uma nova vida. As turnês do Kiss precisam parar. Completaremos 50 anos em 2023! É um momento de orgulho, mas também de melancolia. O fim é triste, mas também excitante, porque se anuncia um novo começo. Será assim para mim.
Muitas bandas anunciam o fim, mas voltam depois. Como sabemos que não vai ser assim com o Kiss?
Certamente será a última turnê, porque quando a terminarmos vou ter 73 anos. E eu não quero ficar nos palcos por muito tempo a mais. Muitas bandas seguem tocando quando envelhecem. Nós queremos entregar o nosso melhor.
Foi a idade que fez vocês decidirem que esta seria a última turnê?
Sim, a idade. Nós somos a banda que mais trabalha duro no planeta. Nós amamos Bono Vox, Mick Jagger e todos os grandes músicos experientes em atividade, mas, se eles se vestissem que nem eu, com botas plataforma de oito polegadas, além de 18 quilos no corpo por causa da armadura e tudo o mais, eles não aguentariam nem meia hora de show (risos). Tudo o que fazemos é muito físico, envolve até cuspir fogo e voar pelo ar. Antes de cada show, passo por duas horas de maquiagem para ficar pronto. Então, cada apresentação leva cinco horas de trabalho. Se eu fosse o The Edge (guitarrista do U2), apenas calçaria meus tênis, vestiria uma calça e uma camiseta e pegaria a guitarra. E deu. Estaria pronto. Na minha próxima encarnação, gostaria de integrar uma banda como, sei lá, U2 ou Ramones (risos).
Alguma chance de os ex-integrantes Ace Frehley e Peter Criss se juntarem à banda em algum momento nesta última empreitada?
Perguntei a Ace e Peter se eles queriam fazer shows e os dois disseram que não. De qualquer maneira, a grande maioria dos fãs nunca viu a banda original. Eles se importam com a banda atual. Tommy Thayer e Eric Singer estão no Kiss há quase 20 anos. E muitos dos fãs que vêm assistir ao show têm 20 e poucos anos! Quando você vai ver os Stones, ninguém pergunta sobre Brian Jones. Ele foi o guitarrista original. Beatles: ninguém falava sobre Pete Best. Ele foi o baterista original. Mas o Ringo se tornou “o baterista dos Beatles”. Esse é o ponto.
E quanto a Paul Stanley: Onde você estaria hoje sem ele?
Em um mundo completamente diferente. Eu não sei o que eu faria. Se eu fizesse música, não chegaria nem perto do sucesso que alcancei. O que Paul faz é diferente do que eu faço. Então ele me dá coisas que eu não posso conseguir, e espero dar em troca que ele não pode ter. Somos dois lados diferentes da mesma moeda. Creio que seja da mesma forma com Jagger e Richards e Lennon e McCartney. Os Beatles foram os melhores. Paul McCartney sozinho era ótimo. E John Lennon sozinho também. Mas juntos, como os Beatles, eles eram muito melhores. Jagger tem discos solo, assim como Keith Richards. Mas nos Stones são ainda melhores.
Nós queremos que o show do Kiss seja uma experiência em que você vá e esqueça dos presidentes que negam a pandemia e do que está acontecendo no Leste Europeu. Mesmo que por apenas duas ou três horas, você deve se sentir de bem com a vida.
O Kiss foi trilha sonora de adolescentes e adultos de várias gerações. Agora, como o grupo se conecta com as novas gerações?
Não precisamos nos conectar. Você só precisa fazer o que faz e ser o melhor. Godzilla não se importa se uma nova geração gosta ou não. Quando você é o maior e o mais imponente, ser você mesmo é a única coisa de que precisa.
De certa forma, a banda continua renovando seu público. Já soube de uma criança de cinco anos que ama a banda.
Eu me sinto muito orgulhoso com isso. Fico feliz demais quando, por exemplo, Dave Grohl diz que aprendeu a tocar guitarra por causa do Kiss. Ou quando Lenny Kravitz ou Tom Morello, do Rage Against The Machine, dizem algo similar. Você sempre tem que dar algo para inspirar as próximas gerações a produzirem por conta própria. Meu momento favorito é quando olho ao redor, no estádio, e percebo os rostos dos fãs mais novos, de cinco a 10 anos, vendo o Kiss pela primeira vez. Gosto de ver eles se impressionarem e exclamarem: “Uau!”. É tudo o que eu quero.
Como tem sido subir ao palco depois dos 70?
Eu nunca imaginei que poderia fazer isso por tanto tempo. Estou em boa forma, me sentindo bem fisicamente. Uma ano antes desta turnê, comecei a trabalhar duro, caminhando oito quilômetros quase todos os dias. Jagger faz a mesma coisa: antes de os Stones subirem ao palco, ele malha por uma hora. Mas a gente não pode fazer isso para sempre. Não poderemos fazer que nem o B.B. King, que tocou até quase os 90 anos. O que o Kiss faz é muito mais difícil, por causa do equipamento cênico todo. Mas é maravilhoso chegar a essa idade tocando rock’n’roll. Inacreditável.
Pelo visto, você não sentirá saudade de vestir a armadura e pintar a cara para se transformar em Demon...
É que a gente sempre acha que deve fazer mais. Quando eu era criança e assistia aos shows de rock, ficava sempre desapontado. A música era boa, mas não parecia propriamente um show, pois só havia pessoas normais ali no palco, nada para os meus olhos. Eu queria um espetáculo completo. Então, a gente sempre quis fazer algo que instigasse as pessoas. Mesmo se odiassem a nossa música, ao menos ficariam fascinadas no visual.
Depois da End of The Road Tour, o que você pretende fazer?
Paul e eu temos uma rede de restaurantes chamada Rock & Brews, e agora gostaríamos de expandir esse empreendimento para cassinos. Há outros negócios também previstos. Mas o Kiss irá continuar de outras maneiras, só que não em turnês. Haverá apresentações itinerantes para contar a história da banda. Como, por exemplo, em Tóquio, o público pode ver o musical O Fantasma da Ópera, enquanto em Nova York o mesmo espetáculo também é reproduzido. Será algo assim.
Você está trabalhando com algum projeto musical solo?
Estou sempre compondo um pouco, mas à parte, não para o Kiss. Tenho a Gene Simmons Band. Antes da pandemia, fizemos uma dezena de shows pelo mundo. Talvez eu viaje mais com esse projeto depois do fim das turnês com o Kiss. É fácil: só vestir jeans e camiseta e subir ao palco, sem toda aquela parafernália… (Risos.)
O problema do rock não são as bandas, há muito talento por aí. O problema é a internet, são as redes sociais, as empresas de streaming, como o Spotify. Essas empresas pagam uma porcentagem de centavo para cada execução, ficam com todo o dinheiro e levam o público a crer que a música é gratuita. Isso mata as novas bandas.
Mas você pretende lançar alguma música com esse projeto?
O problema é que aí os fãs irão fazer download e compartilhar gratuitamente. Isso não me interessa. A música tem seu preço. Tudo tem seu preço. Eu quero ser pago.
Ao longo de todas essas décadas, houve muitas transformações no cenário do rock. Como você avalia o atual momento do gênero?
Há 25 anos as pessoas começaram a fazer download de música de graça. O que significa que novas bandas não têm chance de sobreviver. A última grande banda talvez tenha sido o Foo Fighters. Mas eles já têm mais de 25 anos de estrada! Não há mais grandes bandas assim. E o problema é os fãs, que não estão pagando pelas músicas. Isso não afeta necessariamente bandas como Kiss, pois continuamos vendendo ingressos. Mas as bandas novas não têm chance, e isso é de partir o coração. Então, o problema do rock não são as bandas, há muito talento por aí. O problema é a internet, são as redes sociais, as empresas de streaming, como o Spotify. Essas empresas são parte do problema: pagam uma porcentagem de centavo para cada execução, ficam com todo o dinheiro e levam o público a crer que a música é gratuita. Isso mata as novas bandas. Imagine que você tem flores em um jardim, mas ninguém está lá para regá-las. As flores vão morrer. Sem fãs para pagarem as músicas, as bandas novas não têm chance.
Os shows hoje em dia, então, são mais importantes que nunca?
Se você está em uma banda nova, não. Porque não haverá ninguém para ir ao seu show. Primeiro, você tem que se tornar famoso.
Qual o principal legado que o Kiss deixa?
Não me importo com legado. É mais importante o aqui e o agora para dar algo às pessoas para elevarem seus espíritos. Todos os dias, quando leio os jornais sobre o que os russos estão fazendo na Ucrânia, fico entristecido. Nós queremos que o show do Kiss seja uma experiência em que você vá e esqueça dos presidentes que negam a pandemia e do que está acontecendo no Leste Europeu. Mesmo que por apenas duas ou três horas, você deve se sentir bem com a vida. Se as pessoas não lembrarem mais da banda depois, tudo bem, porque hoje, aqui e agora, o importante é realizarmos a maior festa do planeta.