Você se lembra da primeira vez que ouviu Kiss? Grandes chances de ter sido a contagiante Rock And Roll All Nite. Talvez um mundo estivesse se revelando naquela época. Quem sabe estivesse descobrindo também Led Zeppelin, AC/DC, Deep Purple, Guns N' Roses, Iron Maiden, enfim, um leque roqueiro se abria.
E ver o Kiss? Há outro impacto nas imagens da banda — seja em fotos, capas de discos ou vídeos. Aqueles quatro caras-pintadas, que cospem sangue e fogo, vestem armadura, voam no palco em meio a explosões e fumaça. Lembram super-heróis. Parecem de outro planeta.
A última oportunidade para ver esses seres em Porto Alegre será nesta terça-feira (26), a partir das 21h, na Arena do Grêmio, com ingressos à venda pelo Uhuu (há desconto para sócios do Clube do Assinante). Trata-se da terceira apresentação do grupo na capital gaúcha — as anteriores foram em 1999 e 2012. Desta vez, o Kiss vem com a turnê de despedida End of The Road Tour. A abertura ficará por conta da banda porto-alegrense Hit The Noise.
Integrado por Paul Stanley (voz e guitarra), Gene Simmons (voz e baixo), Eric Singer (baterista) e Tommy Thayer (guitarra), o grupo anunciou sua aposentadoria dos palcos em 2018. O tempo passou e pesou para essa decisão, afinal, são cinco décadas dedicadas ao rock.
Formado em 1973, em Nova York, o Kiss sempre foi um grupo instigante, tanto no aspecto musical quanto no estético. A banda é capaz de fisgar o público jovem bem cedo e acompanhá-lo pelo resto da vida. Após meio século de estrada, ainda há novas gerações sendo conquistadas pelo quarteto mascarado e se alistando no Kiss Army (termo utilizado para se referir os fãs do grupo).
Um exemplo é o porto-alegrense Bento Kaluanan. Ao completar cinco anos em setembro de 2021, fez questão de que sua festa de aniversário tivesse o Kiss como tema. Havia bolo, pôsteres (incluso um com Pikachus transformados em integrantes da banda), enfeites, enfim, tudo remetendo ao grupo. Para entrar no clima, ele e seus familiares chegaram a pintar a cara.
O pai de Bento, Mateus Mapa, conta que o filho desenvolveu o gosto pela banda durante a pandemia. Nesse período, ele passou a ouvir mais CDs, sendo acompanhado pelo pequeno nas audições. Costumeiramente, Bento pedia a troca de faixa depois de um tempinho. Porém, seu pai observou que era diferente com o Kiss: ele ouvia o álbum até o final.
— Gosto de Kiss porque as outras músicas são muito chatas — resume o pequeno fã.
Apesar da declaração, Bento também tem apreciado outras bandas como Judas Priest e Iron Maiden. Pelo lado do Kiss, seu integrante favorito é Gene Simmons. Tanto que ele exibe empolgado um card de Obstagoon, pokémon inspirado no baixista. É a reunião de suas paixões.
Davi Ribeiro, 11 anos, também comemorou aniversário tendo o Kiss como tema. Foi em sua festa de 2020. Naquele ano, o jovem descobriu a banda quando estava na casa da mãe e, ao chegar no quarto de seu irmão mais velho, que ouvia I Was Made For Lovin' You, ele lhe mostrou o clipe. Mas não foi amor à primeira vista.
— Na hora, eu pensei: "Bá, cara, como é que alguém gosta desses caras? Eles devem te dar pesadelo de noite com essas maquiagens". Não sei o porquê, mas depois pedi para a minha mãe tocar Kiss no carro. Acabei gostando — lembra.
Hoje, Davi já tem sua coleção de itens do Kiss, como meias, chinelo, caderno, biografia do Paul Stanley (seu integrante favorito), bonecos, camisetas — incluindo a do disco Destroyer (1976), o seu favorito —, entre outros. Ele aprecia até aquilo que havia estranhado no início.
— Gosto muito das maquiagens deles. Quando vejo os shows do Kiss, acho tudo maravilhoso. Quando vejo aquelas explosões... Até cuspir sangue acho legal! — descreve. — Para mim, Kiss é a melhor coisa que tem.
Davi irá ao seu primeiro — e último — show do Kiss nesta terça. Ele estará acompanhado de seu pai, Raphael Ribeiro, que admite ser mais do samba, mas está ali para apoiar as paixões do filho. Para o jovem, que começou a curtir o grupo após o anúncio da despedida, o clima é de contagem regressiva para o show.
— Ainda bem que consegui ser fã a tempo de vê-los ao vivo — celebra Davi. — Espero que o show não passe rápido, pois é a coisa que estou mais esperando na vida. Pelo que vejo no YouTube, tenho certeza de que vai ser muito massa.
Para a vida inteira
Morador de Caxias do Sul, Guilherme Adamatti começou a ouvir Kiss em 2005. Ao assistir a um programa sobre a banda no canal VH1, ele foi fisgado na hora. A partir dali, foi atrás de discos, fez tatuagens e, nesta terça, irá ao seu quinto show da banda. Aos 29 anos, ele é escultor e toca bateria — instrumento que se motivou a aprender por causa do Kiss.
— A primeira coisa que me chamou a atenção foi o visual. Dá para dizer que são os "super-heróis do rock". E eles faziam coisas muito diferentes no palco que outros músicos não faziam, como cuspir fogo ou sangue. Pensei: "Que demais isso! Quero ver o que mais esses caras fazem" — lembra Adamatti.
Ele também irá ao meet and greet da banda pela segunda vez. Na primeira, no show de Florianópolis (SC) em 2015, ele presenteou os integrantes com desenhos. Desta vez, entregará esculturas trabalhadas e pintadas a mão. É um tributo de Adamatti ao grupo com o qual tem um relação íntima em vários setores da vida.
— Quando eu conheci a banda lá atrás, eu resolvi tocar um instrumento por causa do Kiss. Se eu tenho a música na minha vida e sou muito feliz por isso, é por causa deles — diz o escultor. — Outra coisa que descobri é que eles são pessoas inspiradoras também fora do palco, tanto em suas opiniões como na forma como veem a vida. Principalmente Paul Stanley, que acho um cara muito sensato, muito coração. Isso foi me inspirando desde pequeno. Quando vê, a gente vai aplicando no dia a dia sem querer.
Com 52 anos, o vocalista da Rosa Tattooada, Jacques Maciel, irá para seu sexto show do Kiss. No último em que esteve presente, ele dividiu o palco do Gigantinho com a banda, em 2012, colocando os fãs dos mascarados para cantarem clássicos do rock gaúcho — como O Inferno Vai Ter que Esperar. Depois da apresentação, ele soube que Gene elogiou a performance. Inclusive, convidou a banda de abertura para conhecê-los.
— Foi a realização de um sonho de garoto. Imagina, a vida inteira curtindo os caras e, de repente, estávamos lá dividindo o palco com eles. Foi muito gratificante para a gente. Tanto que depois desse episódio a banda decidiu que não abriria mais shows internacionais. Tocamos com Guns, Deep Purple e Alice Cooper, mas a experiência com o Kiss foi mágica. Fechamos a tampa — relata.
Jacques conheceu a banda aos 10 anos, em 1980, por meio de seus irmãos. Ele lembra que ficou fascinado ao ver as capas dos discos e ao ouvir que eles "cospem sangue e fogo no palco". Logo, começou a fissura pelo Kiss.
— Me apaixonei pela banda antes de escutar (risos). Há a magia das máscaras, o mistério, a pirotecnia. O rock meio circense. Encarnaram bem essa coisa de tentar ser super-heróis — descreve. — Teve caras que fizeram isso antes, como Alice Cooper e David Bowie, só que eles levaram isso ao extremo. Acho que as gerações vão se renovando por essa magia que o Kiss cria, que é diferente de tudo que havia aparecido.
Nos anos 1990, Jacques chegou a ter um projeto para tocar covers da banda, intitulado Kiss My Ass. Antes de abrir para o grupo, o músico já havia se encontrado com a banda em algumas ocasiões, mas sempre como fã. Por exemplo, em 1999, ele chegou a se hospedar no mesmo hotel que a banda em Porto Alegre.
Quem também se hospedou no Plaza São Rafael naquela vez foi José Henrique Godoy, executivo de vendas de informática, 51 anos. Na terça, ele irá para seu oitavo show do Kiss. Godoy tinha 12 anos quando viu a banda pela primeira vez, em um programa da Globo em 1983, por ocasião da vinda do grupo ao Brasil.
— Quando os vi pela primeira vez, pareciam ser de outro planeta. Eu era um guri e curtia muito quadrinhos de super-heróis, e eles eram o mais próximo do Batman que uma banda poderia chegar — recorda.
De lá para cá, ele acumulou uma coleção da qual se orgulha: todos os lançamentos oficiais, mais de 100 CDs bootlegs (ao menos um show de cada tour), livros e camisetas. O que ele mais gosta é um baú que mantém, onde guarda pastas com recortes e páginas de revistas e jornais, tudo desde 1983.
— Com o passar dos anos, minha admiração pelo Kiss só aumentou. Também foi amadurecendo. Antes eu ficava bravo com quem falasse mal da banda, por exemplo. Hoje em dia não dou bola, só lamento por não curtirem (risos) — diverte-se.
Recrutando novos soldados
Felipe Piantá, 44 anos, é Paul Stanley quando não está atendendo os seus pacientes. Ele é fisioterapeuta domiciliar com ênfase em geriatria. Há 25 anos, também encarna seu ídolo na banda Parasite Kiss Cover e viaja pelo Brasil.
O projeto surgiu na volta do show do Kiss em Buenos Aires, em 1996. Eles e os amigos foram e voltaram de ônibus, cantando músicas do grupo no trajeto. Então, nada melhor do que montar uma banda para prosseguir a cantoria.
Piantá começou a gostar de Kiss por volta dos 10 anos, quando um amigo lhe emprestou uma fita k7 com três músicas da banda. Após a primeira audição, ele foi até o amigo com uma fita virgem para pedir mais canções daqueles mascarados.
Ao longo dos anos, a paixão foi evoluindo: tatuagens, estúdio caseiro contendo chão adesivado com capas de discos do Kiss, sete shows (serão 11 após a turnê brasileira). Também se hospedou no Plaza São Rafael na primeira vinda da banda e, em 2016, excursionou em turnê com Bruce Kulick — guitarrista do Kiss entre 1984 e 1996.
Com a Parasite Kiss Cover, Piantá se diverte interpretando seu ídolo e anima os fãs de longa data. Também consegue espalhar o evangelho do quarteto nova-iorquino. Há algumas semanas, ele foi se apresentar com o grupo no Mato Grosso do Sul, onde algumas crianças os encaravam impressionadas — para elas, a Parasite era o Kiss. Aconteceu o mesmo em outra apresentação na Bahia, com algumas crianças pedindo para tirar foto com os artistas covers. Certa feita, chegaram a fazer um show só para crianças no Paraná.
— A gente brinca internamente: "Mais um soldado". Quem sabe esse guri que viu nosso show vai pedir aos pais para mostrarem mais do Kiss e, em seguida, vai descobrir mais bandas de rock. É um negócio do fã querendo angariar mais fãs, mas não sendo chato — avalia Piantá.
Mas o recrutamento não atinge só os novinhos: o fisioterapeuta conta que já teve pacientes de 90 anos que resolveram ouvir Kiss ao descobrirem seu projeto tributo. Ao darem essa chance, acabam se apaixonando pela música dos mascarados.
— Por esse tipo de coisa, vale a pena ter a banda e ser fã do Kiss como a gente é a vida inteira — finaliza.