Processo criativo, empoderamento feminino, sociedades, liberdade e autoritarismo. Estes foram alguns dos temas abordados pela escritora canadense Margaret Atwood em sua participação noite desta quarta-feira (27) no Fronteiras do Pensamento, que tem como tema a Era da Reconexão. A autora concedeu entrevista exclusiva para a atriz, poetisa e palestrante Bruna Lombardi.
Durante a conversa, a escritora do best-seller O Conto da Aia foi instigada pela mediadora a definir como são os tempos de hoje em sua visão e a importância de contar histórias. Margaret, então, reforçou que esta é uma prática de “muito tempo” e que é uma das primeiras coisas “de fato humanas que fizemos”, pois até mesmo crianças pequenas compreendem este tipo de narrativa.
De acordo com a autora, todas as histórias são sobre pessoas, até mesmo as ficcionais, com “hobbits, coelhos ou lobos”, pois são os seres humanos que estão relatando aqueles contos. E, ao ser questionada por Bruna sobre o que a motiva a ser uma autora, Margaret, com bom humor, respondeu:
— É tarde demais para parar. Se eu fosse jovem, poderia ter algumas opções. Poderia ser encanadora, talvez. Ou, quem sabe, dançar balé. Mas já é muito tarde para aprender essas coisas. Portanto, sou escritora.
Para Margaret, que está com 81 anos e atua com literatura desde os anos 1950, ser uma escritora é algo “natural”, uma vez que as histórias existem há “muito, muito tempo” e, segundo ela, o autor profissional só faz algo que todo mundo também faz. E, para a autora, ler um romance é o mais próximo que alguém pode chegar de compreender o que outra pessoa está pensando.
— Romances são máquinas de empatia — definiu.
Processo criativo
Bruna Lombardi, durante a conversa, perguntou para Margaret como é o seu processo criativo e se ela permite que os seus personagens a surpreendam. A autora de O Conto da Aia explicou, então, que o único tipo de escritor que realmente precisa manter tudo sob controle é o de histórias de assassinato, que deve saber quem é o culpado para poder deixar pistas e distrações para o leitor, surpreendendo-o ao final. Caso contrário, gera frustração.
— Eu prefiro não saber tudo o que vai acontecer, porque gosto de manter a mim mesma interessada em descobrir — avaliou, dizendo, na sequência, que é muito mais fácil para uma pessoa mais velha escrever sobre personagens mais novos do que ao contrário, uma vez que quem tem mais idade se lembra e não precisa imaginar como seria.
Utopia
A escritora que teve a sua obra mais famosa adaptada para a televisão, em uma série multipremiada, acredita que todo este período de pandemia está sendo “desnorteante” para as pessoas e espera que todos possam voltar a sua “vida normal” o quanto antes.
— O tempo parece estar tão esticado. Acho que a nossa capacidade de calcular a duração do tempo foi afetada pela covid. Acho que voltar para a rotina ajudaria muito as pessoas — refletiu.
Segundo ela, o mundo está piorando em alguns lugares e melhorando em outros, de maneira não uniforme, uma vez que nem todos têm as mesmas condições. A autora ainda criticou a concentração de dinheiro em um número tão pequeno de pessoas, comparando o cenário atual com o que antecedeu a Revolução Francesa.
— Não há utopias. Não há mundos perfeitos, mas há, sim, melhorias possíveis. E precisamos dessas melhorias se quisermos continuar como uma espécie neste planeta — comentou, realçando os problemas climáticos no mundo, inclusive, o desmatamento da Amazônia.
Caos
A autora também comentou sobre a sua obra ser definida como ficção especulativa, na qual representa sociedades distópicas, mas com elementos presentes nos dias de hoje, como teocracias, fundamentalismo, fanatismo religioso, neofascimo, opressão, censura, fake news. E, ao ser questionada se estes temas são inevitáveis na experiência humana, ela respondeu:
— Acontece em ciclos, até onde eu percebo. E, bem frequentemente, ditaduras e regimes autocráticos instauram-se em período caóticos. Aí, a pessoa autoritária diz: “Está terrível, está tudo uma bagunça. Eu posso dar um jeito nisso para você”. Não acredite neles. Eles até dão um jeito nisso, mas normalmente isso envolve eles dizendo: “Há algumas pessoas aqui das quais temos que nos livrar”. E aí eles saem por aí acabando com as pessoas.
Segundo Margaret, este tipo de situação é uma tendência no mundo de hoje e que as pessoas tendem a esquecer como foram momentos anteriores similares. Ela acredita que democracias são “difíceis de se sustentar” sem que elas acabem se tornando “oligarquias”, um “total desarranjo” ou “autoritarismo”.
— Pode até parecer atraente quando você sente que as coisas estão fora de controle e você está apavorado. É reconfortante você ouvir alguém dizer que vai ajeitar tudo. O medo é muito motivador e é por isso que que os adeptos do autoritarismo gostam de causar medo — destacou.
A autora ainda contou que, na sua visão, as democracias são “aspirações”, ou seja, um conceito do qual a sociedade pode se aproximar ou se distanciar e que está em “constante redefinição”.
Controle
Após uma fala de Bruna, em que a mediadora destacou que o conhecimento é inimigo de quem pretende controlar um povo e que os livros são temidos, Margaret enfatizou:
— Se houver livre discussão de pensamentos, alguém acabará questionando a autoridade deles. Por isso e também serão questionados quanto à corrupção, pois sempre há.
A escritora ainda refletiu que este tipo de controle acontece sempre em prol do lucro e não para “fazer você feliz”. A dica dela foi “siga o dinheiro”. E, após a mediadora perguntar que se as pessoas não forem ensinadas a pensar é mais fácil de as controlar, Margaret respondeu com um “com certeza”.
— É por isso que os escritores são os primeiros a serem colocados diante de pelotões de fuzilamento. E a outra razão é por não representarem nenhum grupo de eleitores. Ou seja, nunca houve um exército que fosse composto apenas de escritores — apontou.
As mulheres
Ao decorrer da conversa, Bruna Lombardi ainda questionou a escritora sobre o porquê de as mulheres serem temidas. A autora, então, voltou a Idade do Bronze para contextualizar o papel feminino ao longo da história, a diferenciação dos gêneros e o surgimento das amazonas, que passaram a ser temidas pelos homens que, até então, acreditavam ser superiores.
— As capacidades cerebrais feminina e masculina são equivalentes. O que mais usamos hoje em dia? Teclados. Será que você precisa ter os músculos dos membros superiores superdesenvolvidos para usar um teclado? Não, não precisa — afirmou, ressaltando, em seguida, que são as mulheres que mantêm em pé a essência da sociedade.
Para Margaret, a visão de mulheres frágeis foi trazida para a sociedade por revistas que buscavam, por meio de propagandas ideológicas, mostrar que elas poderiam ser “melhoradas”:
— Se as pessoas começam a dizer que querem me melhorar, fico bem desconfiada.
O Fronteiras do Pensamento é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre, PUCRS, B3, parceria institucional Pacto Global e promoção do Grupo RBS.