Na noite desta quarta-feira (13), o historiador Niall Ferguson marcou presença no Fronteiras do Pensamento 2021. O conferencista, que é professor da Universidade Harvard, pesquisador do Instituto Hoover de Stanford, abordou o tema Em certo sentido, todos os desastres são causados pelo homem.
Utilizando como base o seu mais recente livro, ainda não lançado no Brasil, Doom: The Politics of Catastrophe, o professor destacou que, é possível, utilizando a história dos desastres, refletir sobre o atual momento do mundo, que lida com a pandemia da covid-19, mas também sobre catástrofes que ainda estão por vir.
— Se há algo que ficou claro para mim ao escrever o livro é que a história em si, de várias formas, é um maldito desastre atrás do outro — disse Ferguson.
Porém, o pesquisador acredita que, mesmo com o conhecimento acumulado ao longo das gerações com pesquisa científica, os seres humanos de hoje não são tão melhores em lidar com catástrofes quanto os seus antepassados.
E, para embasar o seu argumento, questionou o quão grande é a catástrofe da pandemia de covid-19. Durante a sua fala, o professor destacou que, segundo o gráfico da Universidade Johns Hopkins, o número de mortos pelo vírus está girando em torno de 4,8 milhões ao redor do mundo.
Segundo Ferguson, o seu papel é pegar estes dados e colocá-los em perspectiva histórica. E, mesmo considerando que o número é uma tragédia, por se tratar de milhões de vidas interrompidas, ele reforçou que, em comparação com outras pandemias que já atingiram a humanidade ao longo da história, esta recentemente entrou no Top 20 na questão de mortes.
Desastre menor
Em sua apresentação no Fronteiras do Pensamento, apresentada por Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha de São Paulo, Niall Ferguson argumentou que a covid-19 variou de intensidade de acordo com países e que descobrir as causas deste fenômeno será um “desafio” para infectologistas e historiados por anos.
O professor, utilizando o indicador Excesso de Mortalidade, reforçou que o Brasil teve uma “taxa severa”, enquanto outros países pouco oscilaram neste número, sequer tendo um “desastre de fato”. Ferguson ainda apontou, utilizando dados do The Financial Times, que o ponto mais grave da pandemia no Brasil aconteceu há alguns meses.
Com gráficos, o professor, ao comparar pandemias do século XIV, como a Peste Negra e a peste bubônica, disse que fica “claro” que a covid-19 é um desastre relativamente menor. Ele disse, em sua palestra, que historiadores estimam que estes desastres tenham matado quase um terço de todos os seres humanos da época.
De acordo com Ferguson, mesmo que artigos da revista The Economist — que apontam subnotificação de números de mortos ao redor do mundo — estiverem certos, e a quantidade de vítimas chegue na casa dos 18 milhões, este número, se calculado enquanto parte da população mundial total, seria o equivalente a aproximadamente 0,2%.
— A Gripe Espanhola, de 1918, nesse sentido, seria uma ordem de grandeza maior, porque acreditamos que por volta de 2% de toda a população mundial tenha morrido naquela pandemia — explica.
Na sequência, ele reforçou que a covid-19 ainda perde em grau de letalidade para outra contaminação global recente:
— Já sobrevivemos a uma pandemia mais mortal que a covid-19, que é a de HIV/AIDS, que até o dia de hoje já matou 36 milhões de pessoas. E o motivo disso é que não existe vacina para HIV/AIDS, então ela continua matando as pessoas ao redor do mundo.
O historiador também fez questão de enfatizar que a pandemia atual matou desproporcionalmente pessoas idosas, ao contrário de outras que já assolaram a humanidade.
— A covid-19 é uma pandemia etarista. Isso quer dizer que o número de anos de vida perdidos é bem menor do que poderia ser se a covid-19 fosse como as grandes pandemias de Influenza do século 20, por exemplo — salientou Ferguson, argumentando que as contaminações globais do passado matavam mais jovens e adultos.
Economia
Crítico aos lockdowns, Ferguson ressaltou que a pandemia tem sido um desastre econômico maior do que o número de mortes leva a crer. De acordo com ele, os gastos que geram dívida pública nos países, em especial nos Estados Unidos, não se viam desde os anos 1940, período da Segunda Guerra Mundial, e que eles devem seguir em ascensão.
O professor acredita que a pandemia tem um porte mediano, se considerar o número de mortes, mas vem criando uma dívida de guerra mundial. Segundo ele, isso se dá porque, pela primeira vez na história, a humanidade utilizou lockdowns para tentar barrar a disseminação do vírus. Ele destaca que esses bloqueios geram um custo muito alto e, além disso, vê pouca eficácia, uma vez que não é possível manter tantas pessoas em casa por tanto tempo.
Ainda segundo Ferguson, foi “bem fácil” colocar a culpa do desastre da pandemia em líderes populistas que já eram “consideravelmente impopulares entre os jornalistas”.
— Nos Estados Unidos, no Brasil, no Reino Unido, na Índia... O excesso de mortalidade foi atribuído a presidentes e primeiros-ministros cujas decisões, é justo dizer, poderiam ser questionáveis. Tento argumentar no meu livro que, ainda que estes líderes tenham cometido erros, não foi a principal razão do excesso de mortalidade nos países por eles governados — pontuou.
De acordo com ele, muitas vezes, em um desastre, a falha não está no topo, mas em algum lugar mais abaixo na cadeia de comando, na “parte intermediária do gerenciamento”.
Ele acredita que, no ano passado, as pessoas cuja responsabilidade era preparar a população para uma pandemia sabiam que os seus planos não funcionariam caso o desastre ocorresse:
— Um argumento-chave do meu livro é que os burocratas da saúde pública, em ambos os lados do Atlântico, da Europa e das Américas, subestimaram o risco em potencial de um novo coronavírus e foram lentos demais em responder à ameaça em seu surgimento.
Em sua participação no Fronteiras do Pensamento, que tem como tema a Era da Reconexão, Ferguson também reforçou que o mundo dá uma atenção desproporcional às causas climáticas, que são desastres que acontecem mais lentamente, e esquece de olhar para assuntos mais urgentes, como a covid-19.
Ele ainda enfatizou que boa parte do aumento das emissões de dióxido de carbono e do consumo de carvão vem da China, país ao qual é crítico. Para o professor, o esforço feito pelos americanos e pelos europeus “contarão muito pouco” e as temperaturas seguirão subindo caso não haja um controle na nação asiática.
O Fronteiras do Pensamento é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre, PUCRS, B3, parceria institucional Pacto Global e promoção do Grupo RBS.