Nome de referência na música popular produzida no Rio Grande do Sul e no Brasil nas últimas décadas, trafegando por diferentes gêneros e estilos como jovem guarda, reggae e samba-rock, o guitarrista Luis Vagner morreu no último dia 9, aos 73 anos, devido a complicações de saúde enquanto se recuperava de um acidente vascular cerebral. Bageense, ele se tornou conhecido sobretudo pelo trabalho no grupo Os Brasas, mas dali saltou para uma carreira prolífica que incluiu composições e parcerias com alguns dos maiores músicos do país – Jorge Ben Jor, responsável por seu apelido Guiterreiro, entre eles. “Ben Jor começou a tocar guitarra depois que viu o Luis Vagner tocando”, afirmou a GZH o amigo e produtor Claudiomar Carrasco Martins. Leia, a seguir, dois depoimentos de quem conviveu com o artista e agora compartilha informações sobre a sua trajetória, incluindo um disco que ficou pronto e permanece inédito.
LUIS VAGNER É PEDRA QUE NÃO LASCA
Por Mateus Mapa
Músico e pesquisador, autor de “Suingue, Samba-Rock e Balanço” (Ed.Medianiz, 2013)
Luis Vagner Dutra Lopes, o Guitarreiro, cumpriu a passagem por aqui e se fundiu ao universo em 9 de maio de 2021 com leveza, rigor, generosidade, amor, inspiração, e nem a maior reunião de amig@s leais conseguiria completar as possíveis definições desse ser tão inquieto, criativo, sensível, rebelde, livre, agregador. Seus filhos e filhas Cainara, Manauara, Luis Vicente, Flexa, Cacaia e Mar y Raio puderam abraçá-lo, amá-lo e aprender a reparti-lo com a mulher do músico, a “múúúsica”, e sua alta sensibilidade e espirituosidade.
Não é exagero situar Luis Vagner como um dos fundadores de gêneros tão diversos da música brasileira como a jovem guarda, o samba-rock, o reggae, o soul e, por que não, o rap e o rock gaúcho. Seu último álbum lançado em vida, já nessa pandemia insuportável, chamou-se Samba, Rock, Reggae, Ritmos em Blues & Outras Milongas Mais... O título é referencial porque ele era/é tudo isso mesmo.
Suas composições foram interpretadas por artistas diversos: Paulo Diniz, Wando, Vanusa, Tânia Maria, Eliana Pittman, Simonal, Celly Campello, Ronnie Von, Tony Tornado, Bebeto, Bedeu, Seu Jorge, Marcelo D2, Papas da Língua, Marietti Fialho, Molejo, Pagode do Dorinho, Clube do Balanço, Ultramen, Thaíde, Chimarruts, Casa da Sogra e outros. Ele é, sim, um dos pais do samba-rock, mas não se limitou a ser pai de um gênero só e sim um artista do mundo, que não poderia se restringir a fronteiras e limites musicais.
Seu próximo álbum (gravado, mixado e masterizado, pronto para ser infelizmente lançado póstumo) se chama Música Planetária Brasileira, e não à toa. Seu percurso começou em sua terra natal, Bagé, passou por Dom Pedrito, Santa Maria, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Paris, Vaux sur Seinne (França), voltou a São Paulo em 1994, retornou a Porto Alegre em 2013 e, em janeiro de 2020, mudou-se para Itanhaém, litoral paulista.
Se você é de uma geração diferente e não conhece o alcance da obra do Guitarreiro, não é tarde. Como ele dizia em Pedra que Não Lasca, “não é a idade; é a eternidade”. Desde 1988, ele era devoto da lei mística da flor de lótus, do budismo Nishiren Daishonin, da causa e efeito que é viver. Obrigado, Luis Vagner. Nam myoho rengue kyo.
PERCEPÇÃO REVOLUCIONÁRIA COM O SWING E SAMBA-ROCK DO SUL
Por Delma Gonçalves
Poeta e compositora, autora de “O Som das Letras” (Ed. Cidadela, 2019)
Guri de Bagé, Luis Vagner passou por Santa Maria até chegar a Porto Alegre, onde formou bandas de rock e se firmou com o grupo Os Brasas. Logo se destacou com seu talento nato. Ganhou o pseudônimo de Guitarreiro por Jorge Ben Jor, pelo exímio desempenho nos acordes da guitarra. Quando o conheci, em 1967, na adolescência, já tinha o dom de me aventurar com verbos e versos poéticos. Apaixonei-me quando recitou para mim um poema dele, Um Dia Falaremos de Amor, e assim surgiu nosso romance. Entre idas e vindas de Sampa a PoA terminamos, mas o poeta compositor já era do mundo, e aquele sentimento se transformou numa grande amizade.
Lembro-me levando-o na Rodoviária, era a Copa de 1970 e nossa despedida foi pura emoção, pois ali se encerrava um ciclo para vivermos outros momentos, unidos pela música e no envolvimento com Bedeu. No fim de 1970, incentivado por Luis Vagner, Bedeu foi a São Paulo, e lá o Guitarreiro o apresentou à banda Neno ExportaSom, o que fez Bedeu gravar seu primeiro trabalho na Copacabana: duas músicas em um compacto, Deixa a Tristeza (Bedeu e Delma) e Ellen (Bedeu e Leleco Telles).
Com sua espiritualidade, Luis Vagner foi nosso mentor, guru, o cara que nos deu a direção para seguirmos na música. Incentivou Bedeu a montar uma banda própria unindo a rapaziada que fazia parte da agremiação formada por meus pais na Escola de Samba Acadêmicos da Orgia, de onde saíram inúmeros conjuntos influenciados pelo Guitarreiro. Foi nesse contexto que o gênero swing e samba-rock se inseriu, pelo Grupo Pau Brasil, com composições próprias desses componentes: Alexandre Rodrigues, Bedeu, Leleco Telles, Mestre Cy, Nego Luiz e Leco do Pandeiro. Na época, fui a única mulher inserida nesse movimento com minhas composições em parceria com Bedeu.
Meu coração está ferido pela perda desse amigo, porém impera em mim um misto de felicidade e orgulho por saber que seus ensinamentos ficarão eternizados na memória da “negadinha”. Reafirmo minha gratidão por Luis Vagner, que com sua percepção revolucionária foi um visionário, uma peça preponderante na Música Planetária Brasileira, como bem ele dizia, a sublinhar que o swing e o samba-rock alavancassem e firmassem seu mastro em nível nacional e na cultura afrogaúcha.