Há quem a veja como a rede social das dancinhas. Ou das dublagens. Há quem diga que é um aplicativo para adolescentes. No entanto, o TikTok só cresceu durante a pandemia de covid-19, ultrapassando a marca de 2 bilhões de downloads no mundo, em maio, de acordo com a empresa de monitoramento SensorTower. Destinada a vídeos breves em celulares, o app também virou uma oportunidade para humoristas de diferentes gerações que vivem no Rio Grande do Sul a manterem as atividades. Ou até se projetarem por ali.
Consagrado por personagens como Jorge da Borracharia e Gaudêncio, além de integrante do Pretinho Básico, Cris Pereira é um dos nomes mais fortes do humor no Estado. Aos 43 anos, ele conta estar ainda se adaptando à ferramenta, mas seu conteúdo por lá já tem viralizado e lhe rendido seguidores – acumulando mais de 139 mil deles, além de mais de 300 mil curtidas.
— Eu sou da era em que a divulgação era o jornal, cartaz na rua, panfletagem na sinaleira e uma rádio ou outra que te apoiava. Sou dessa época mais arcaica. Aprendi que hoje tu tens que estar a par do que está acontecendo — destaca o humorista.
Conforme Cris, todas as plataformas que ele utiliza – seja YouTube ou TikTok – têm como finalidade atrair gente para o seu show. Contudo, a novidade tem crescido para o comediante.
— TikTok virou uma plataforma que está tão importante quanto o YouTube. Galera está consumindo muito — acrescenta.
Para o TikTok, Cris produz esquetes rápidas com frases de impacto, que possam gerar um compartilhamento que case com a visualização. Já o YouTube ele encara mais como um canal de televisão, com produções mais longas para fidelizar o público.
Nova geração
O comediante Erick Clepton, 30 anos, conseguiu se projetar para um público novo e maior na pandemia por conta do TikTok. Natural de Caxias do Sul e vivendo em Porto Alegre há três anos, Erick atua na comédia desde os 17, quando começou com teatro de bonecos. Chegou a se formar em análise de sistemas, mas passou a se dedicar ao humor em 2015.
Atuando com improviso e stand-up, ele já havia produzido conteúdo para outras plataformas, mas o seu boom mesmo veio com o TikTok. Hoje Erick contabiliza 1,3 milhão de seguidores e 29,5 milhões de curtidas.
— Eu peguei o formato do stand-up e atualizei um pouco essa linguagem, coloquei com uma roupagem que seria uma tendência melhor para o TikTok e funcionou. Foi o que me deu o alcance que tenho ali — explica.
O comediante caxiense lembra que, há alguns dias, um menino acompanhado de uma mãe o reconheceu em certa ocasião e ficou nervoso para falar com ele. Uma reação de fã com o ídolo do TikTok. É uma plataforma que o tem ajudado muito na aproximação com novos públicos.
— Para o comediante, é quase uma obsessão: você tem que estar botando na roda o que você criou, e as pessoas verem e consumirem — atesta Erick.
Assim como Erick, Juliano Coração é outro humorista da nova geração que obteve um maior alcance com o TikTok em meio à pandemia. O comediante nasceu em Tatuí, no interior de São Paulo, e vive em Canoas desde 2019. Ele veio para o RS para trabalhar no canal do YouTube de Cris Pereira. Juliano atua com comédia e stand-up desde 2015.
— Fui realizando vídeos para a internet, mas não tinha muitas visualizações. Até que, insistindo e produzindo bastante, no final de 2019 e início de 2020, comecei a colher os frutos. Mas não adianta muito, já que um morcego atrapalhou meus planos — lamenta, em tom de brincadeira, sobre a possibilidade de o animal ter dado início à transmissão do coronavírus na China.
Atualmente, Juliano tem 2,2 milhões de seguidores e 40 milhões de curtidas no TikTok. Ele e Erick Clepton estão criando um show juntos. Aliás, foi o amigo caxiense que o orientou a entrar na plataforma, em um momento em que Juliano estava desiludido das redes sociais.
— Ele deixou claro que o TikTok também é uma rede de produção de conteúdo, e não só de dancinhas ou desafios. Meu primeiro contato foi produzindo conteúdo de comédia, aí fui me adaptando — relata. — Hoje faço vídeos de comédia misturando com curiosidades, ou qualquer vídeo se alguém me pagar (risos).
Juliano conta que também consegue fazer vídeos com publicidade disfarçada em seu perfil (ainda não é possível monetizar conteúdo na plataforma). No entanto, ele está ansioso para o retorno aos shows. A curiosidade está em saber se o TikTok irá lhe trazer mais público.
— Antes eu era mais tranquilo em relação a isso, pois sabia que ninguém ia comprar — brinca.
Novíssima geração
Ainda no Ensino Médio e com apenas 17 anos, Matheus Severo é outro nome que despontou no TikTok. Natural de Porto Alegre, ele é ator e já integrou a peça Adolescer e a série Sempre POA. Também flerta com a comédia stand-up. No TikTok, acumula mais de 466 mil seguidores e 9,4 milhões de curtidas.
Matheus começou a produzir conteúdo para o TikTok em novembro do ano passado. Em fevereiro, ele passou a focar mais na plataforma, postando dois vídeos por dia. Segundo o jovem, aos poucos foi entendendo que falar sobre as coisas de que gosta e suas experiências renderiam mais.
— No TikTok, eu falo muito da relação que tenho com a minha mãe, sobre a minha vida na escola, sobre coisas que acontecem agora no EAD. Trago muito vídeos sobre reggaeton e K-pop, que gosto muito também. Reajo aos clipes, sempre trazendo para o lado do humor. E falo sobre a gente aqui do Rio Grande Sul, sobre nosso sotaque — descreve.
Matheus costuma escrever as piadas e os roteiros dos vídeos. Ele tira umas duas horas no domingo para pensar os conteúdos que fará no decorrer da semana. Com as premissas previamente anotadas, elabora um roteiro de piadas antes de gravar, o que diz levar em torno de meia hora.
— O processo de gravar é mais tranquilo quando já tenho as piadas. O resto vem muito no “flow”, no improviso — assegura.
Matheus tem o desejo de seguir se expressando pela comédia, quem sabe viajar o Brasil quando a pandemia passar. Outra área que desperta seu interesse é a comunicação, mais especificadamente o jornalismo.
De qualquer maneira, ele reconhece que tinha uma vida antes do TikTok, e agora tem outra. Muita coisa mudou, ainda mais atingindo números tão expressivos na plataforma. Porém, Matheus ressalta que sua motivação no app é outra.
— O legal mesmo é ver que aquilo que eu falo tem um impacto muito grande. Muitas pessoas mandam mensagens do tipo: “Nossa, o meu dia só começa depois que você posta um vídeo”. “Nossa, meu dia estava muito triste, mas depois que vi teu vídeo, melhorou totalmente.” Esse tipo de retorno é o que vale, que dá propósito de tu fazer. Já recebi mensagem de pessoa que estava em depressão, e a válvula de escape dela era abrir meu vídeo — diz.
O tiktoker de 17 anos acrescenta:
— É muito louco pensar nisso, pois há alguns meses atrás eu era um cara que só queria jogar PlayStation, preocupado somente com o colégio ou com o teatro. E, hoje, saber que tenho esse impacto na vida das pessoas, esse retorno que trazem pra mim... Nossa, é muito grande.
Não é muito diferente da visão do “veterano” Cris Pereira. Para ele, os humoristas são um “baita remédio para esta pandemia”. No caso, o app seria um jeito para aliviar as pessoas que estão fechadas em casa na quarentena.
— O TikTok permite que a gente não pare. A galera costuma comentar muito que os artistas foram os primeiros a parar e serão os últimos a voltar. Não! Não paramos em nenhum momento. Continuamos mandando conteúdo para a casa das pessoas. Continuamos fazendo vídeos e lives. O TikTok nos possibilita continuar curando as pessoas — garante.
Cris pontua:
— A plataforma criou uma forma de as pessoas mostrarem seu lado artístico. Para mostrarem seu lado poeta, seu lado comédia, seu lado músico. Tu vê muitos talentos saindo dali.
Além da comédia e da dancinha
Não é só dancinha. Não é só dublagem. Não é só comédia. Há conteúdo para nichos específicos no TikTok. Gastronomia está entre eles. É o que produz por lá o participante da 15ª edição do Big Brother Brasil e chef Rafael Licks, 27 anos.
Nascido em Canela, hoje ele se dedica à gastronomia e comanda dois projetos na área: uma empresa de congelados, em São Paulo, e uma pizzaria de delivery em Porto Alegre, a La Tienda.
Acumulando 1,5 milhão de seguidores e 13,8 milhões de curtidas, Licks destaca que a sua experiência na plataforma tem reforçado a sua marca.
— Fiz campanhas de marcas bem fortes lá dentro, como Sadia e Nestlé. Por lá, tento trazer muitas receitas — aponta.
Segundo Licks, há muito que se descobrir no TikTok:
— Além de dancinha e de uma musiquinha pop que você pode fazer uma zoeira, tem muito conteúdo inteligente lá dentro. Professores de inglês, arquitetos, nutricionistas, enfim. É muito interessante o jeito que a plataforma vem crescendo e trazendo conteúdo de qualidade.
Já a streamer de games Débora Pires, 25 anos, começou apenas transportando seus vídeos do Instagram para o TikTok. Mais conhecida como SOS Debb, a porto-alegrense conta com mais de 186 mil seguidores e 1,2 milhão de curtidas na plataforma.
Segundo Debb, a própria empresa entrou em contato com ela com a finalidade de trazer uma comunidade mais velha para o TikTok, além do próprio público gamer.
— Eles me chamaram e verificaram minha conta. Queriam que eu fosse uma produtora de conteúdo de games, assim como sou no YouTube. Não é algo remunerado, mas me traz um público novo. Essa galera passa para as minhas outras redes sociais e ganho engajamento — explica.
Debb produz conteúdo na web desde que tinha 16 anos, quando criou seu canal no YouTube. Durante anos, ela era uma blogueira dedicada à moda e à maquiagem. Porém, a streamer relata que atravessou por uma fase da vida com muitos problemas, na qual desenvolveu uma crise de ansiedade. O que a tirava dessa zona de conflito interno eram os games.
— Eu não conseguia fazer absolutamente nada, passava o dia na frente do computador. Não conseguia trabalhar. Mas não era por causa do jogo, pois ali me sentia bem. Então decidi transformar aquilo que me fazia bem no meu trabalho — recorda.
Para o TikTok, o processo de produção de Debb é adaptar o vídeo que é tendência para o seu universo gamer. Ela ressalta que também desenvolve outros conteúdos na plataforma, mas seu foco é no jogo eletrônico – em especial, Free Fire.
Debb salienta que a produção de vídeo no Titktok é simples, com muitos filtros e opções que facilitam o processo, além de ser uma plataforma que pode dialogar com diferentes interesses.
— Você vê lá desde vídeo de gatos a sobre como fazer café. O TikTok vai te recomendar aquilo que tu mais assiste. Para mim, é a plataforma mais inclusiva que tem — conclui.