Na Avenida Dorival Cândido Luz de Oliveira, em Gravataí, bolas e cones não são as únicas coisas que precisam ser equilibradas pelos malabaristas e outros artistas que estão acampados em um terreno de esquina na parada 63. Com a pandemia, uma companhia com dois circos está tendo que passar muito mais tempo do que o de costume em uma cidade.
Os circos Troy e Pantanal são compostos por 13 famílias que totalizam cerca de 40 pessoas, além de nove cachorros. O Pantanal chegou em Gravataí em março. Conseguiu começar a temporada de shows – que normalmente dura de quatro a 15 dias – mas, como logo em seguida teve início o distanciamento social, o grupo não pode continuar com as apresentações.
O Troy, por sua vez, estava em Três Coroas. Entretanto, os integrantes tiveram a notícia de que outros circos conhecidos por eles estavam sendo convidados a se retirar dos municípios próximos, por isso resolveram ir embora. O terreno em que a primeira parte da companhia estava instalada era grande o suficiente para os dois circos, então, eles ficaram todos juntos.
Cada família tem seu trailer, usado como casa. Todos os integrantes, exceto as crianças, têm suas funções e salários pré-definidos. Como todos do setor da arte e da cultura, eles estão sem salário, pois não há renda sem bilheteria.
Segundo Lídio Rodrigues, palhaço e motorista, o proprietário da companhia conversou com todos a respeito da questão financeira e disse que não teria como pagar a equipe enquanto estivessem parados, mas não mandou ninguém embora.
— Ele conseguiu negociar com o dono do terreno (que é alugado) para que possamos ficar aqui o tempo que for preciso. Também trouxe alimentos e está arcando com as despesas de água e luz. Não estamos passando fome, mas estamos tendo que equilibrar os sentimentos. Para as pessoas da cidade, mesmo em casa, é fácil se distrair. Pra gente não. Nossa vida é o circo: montar, desmontar, ensaiar, criar um número novo. É difícil ter que ficar parado — lamenta o artista.
Rodrigues, a esposa Anet Charqueiro e os quatro filhos são uma das famílias que vive no local. Ele faz isso há 49 anos. Há 23 anos, ele foi se apresentar na cidade de Minas do Butiá, onde Anet morava. Ela era professora e nunca tinha ido ao circo. Quando foi a primeira vez, se apaixonou não só pelo espetáculo, mas também pelo toureiro, função que Lídio desempenhava na época. A paixão foi mútua. Eles casaram e, 30 dias depois, com a benção da família, ela foi embora com o marido. Hoje, trabalha na lanchonete do circo.
O casal conta que o grupo não está passando necessidade. Além do estoque de comida que já tinham, eles receberam diversas doações de pessoas da cidade que se solidarizaram com a situação. Mas itens como remédios, leite, fraldas e alimentos perecíveis estavam faltando. Por isso, os artistas resolveram vender seu show nas sinaleiras.
Richar Ferreira, trapezista, explica que o grupo se organizou com uma pessoa de cada família para fazer as apresentações. Assim, todos têm garantia de alguma renda. Além disso, uma outra parte da equipe faz pipoca, algodão doce e maçã do amor, colocam numa caminhonete e saem vendendo pela rua.
— Nós não estamos desassistidos. Mas temos outras necessidades também além de comida. Felizmente, muitas pessoas da cidade vieram até aqui nos fazer doações. Somos muito gratos. Foram pessoas generosas. Com isso, estamos nos alimentando bem. Estamos conseguindo, inclusive, ajudar outras pessoas necessitadas. Às vezes, passa um morador de rua pela frente do circo e a gente doa alimentos. Eles já entenderam isso e já vem até nos pedir. É uma maneira de retribuir a solidariedade que a cidade está tendo com a gente, ressalta Ferreira.
De acordo com o novo decreto estadual de distanciamento controlado que passou a valer na última segunda-feira (11) em todo território do Rio Grande do Sul, eventos de artes, cultura, esporte e lazer, teatros, cinemas e similares continuam proibidos.