Diante das restrições a eventos com aglomeração de pessoas, as maiores produtoras culturais de Porto Alegre estão revendo o calendário de eventos deste mês e dos próximos. Mais do que prejudicar os músicos, os cancelamentos e adiamentos de shows impactam toda a cadeia produtiva. E a pandemia de coronavírus também já tem efeito na venda de ingressos de atividades futuras.
A Opinião Produtora, que administra o bar Opinião, o Auditório Araújo Vianna e o Pepsi on Stage, cancelou todos os eventos no mês de março – a agenda de abril também está sujeita a mudanças. O total de 19 eventos incluía festas e shows internacionais, como McFly, The Wailers e Masego, e nacionais, como Liniker e Orquestra Sinfônica de Porto Alegre. Novas datas estão sendo negociadas.
A produtora estima que as vendas de ingressos tenham despencado 70% desde a quarta-feira passada. Até setembro, cerca de 70 shows estavam programados.
— Sem ter clareza que os shows vão acontecer, as pessoas não compram ingressos independentemente de se estão marcados para daqui um mês ou três meses — comenta o sócio-proprietário da Opinião, Cláudio Fávero.
Com quase 40 anos de atuação no entretenimento, a Opinião Produtora se preparou para a crise atual:
— Já sobrevivemos ao cruzado e ao confisco de poupança, mas eram medidas econômicas, e não uma crise de saúde pública. Quando tudo começou no outro lado do mundo, criamos um departamento de crise dentro da produtora. Os últimos contratos estão mais maleáveis. Dificilmente vamos cancelar os shows, mas as festas sim. Nossa preocupação é como ajustar a agenda nos meses seguintes.
Depois de cancelar o espetáculo infantil Mundo Bita no dia em que estava marcado, domingo (15), a Opus trabalha com a transferência de todos os eventos até agosto para o segundo semestre. No âmbito local, isso representa cerca de cem espetáculos, como Djavan, no Teatro do Bourbon Country e Ivete Sangalo e Marília Mendonça, no Gigantinho, além de eventos no Teatro Feevale e na PUCRS. Em todo o Brasil, as atrações adiadas passam de 600 já que a produtora administra casas em São Paulo, Natal, Fortaleza e Recife.
— No sentido figurado, é como se a gente pegasse a agenda de março a julho e botasse em cima da agenda de agosto a novembro. O calendário vai ficar muito movimentado no segundo semestre — avisa o presidente da Opus Entretenimento, Carlos Konrath, que recém voltou de uma viagem a Europa e está confinado em casa. — A gente torce para que passe logo, mas também queremos pensar na frente. Se passar logo, a gente bota uma nova programação nesse espaço de tempo.
A prioridade da produtora é a reorganizar essa agenda:
— Fechar a pauta dos teatros com a dos artistas é um grande quebra-cabeça.
Já a Branco Produções cancelou todas as atividades até a metade de maio, incluindo espetáculos de grandes nomes como o guitarrista do Iron Maiden Denis Stratton e o multi-instrumentista Hermeto Pascoal, além da programação musical do Instituto Ling e da Oficina de Choro no Theatro São Pedro. A empresa trabalha bastante com festivais, que demandam o reagendamento de dezenas de espetáculos, como o Poa Jazz Day, em Porto Alegre, e o projeto Pianístico, com quase 40 pianistas, em Joinville (SC) – ambos suspensos. À frente da produtora há 26 anos, Carlos Branco nunca viveu uma crise nessa escala:
— Com a H1N1, teve alguns cancelamentos, mas em número menor. Agora parou tudo. Sei de empresas que fizeram investimentos muito grandes esperando uma melhora na economia — lamenta. — Acho que as produtoras vão ter um prejuízo enorme. Imagina ficar quatro meses sem faturamento? Vai ser um caos. Minha expectativa é de que dure menos tempo. Vamos ter que segurar — falou o produtor, que estava sozinho no escritório após dispensar os funcionários pelo dia.
Com quase 200 funcionários, a Opus pediu que parte deles trabalhasse de casa e já prevê a possibilidade de férias coletivas. O prejuízo, por enquanto, é incalculável.
— Ainda não temos estimativa, mas naturalmente é gigante. Vamos ter que aprender a conviver com isso — diz o presidente da Opus.
As produtoras concordam que o impacto será menor se os shows forem adiados ao invés de cancelados. Os shows internacionais causam mais receio já que há países fechando as fronteiras. Alguns artistas já desistiram de viajar ao Brasil temendo não poder voltar para casa.
Ao transferir as datas de shows, as produtoras terão de fazer adaptações, como tirar um show de um "dia nobre" para um dia de semana ou realizar mais de uma apresentação no mesmo dia, mas em diferentes horários. Será preciso ainda cuidar para distribuir atrações com perfil parecido na agenda, pois a maioria dos consumidores não terá dinheiro e tempo para ir a mais de uma apresentação na mesma semana.
Ingressos
Embora já tenham mecanismos para lidar com cancelamentos, as produtoras sofreram um abalo enorme nas agendas. Por isso, pedem compreensão dos consumidores que já adquiriram ingressos. No centro do país, a Associação Paulista de Críticos de Arte transformou esse apelo em campanha. A Opinião reforça o pedido:
— Como a maioria dos shows vai ser transferido, a gente pede que as pessoas esperem pelas novas datas ou então que esse dinheiro fique de crédito para qualquer outro espetáculo do Opinião — diz Fávero.
Na verdade, o dinheiro dos ingressos vendidos online fica com as administradoras, como a Sympla, até que os eventos sejam realizados. Branco explica:
— As produtoras só vão receber o valor depois do espetáculo, mas é muito melhor mudar a data sabendo que já foram vendidos 300 ou 400 ingressos do que partir do zero. Se as pessoas que já adquiriram ingressos puderem aguardar, será um auxílio importante para o setor, que vai ser muito prejudicado. É possível que várias produtoras não consigam se manter se ficarem três ou quatro meses paradas.
A Opus estima que, em todo o Brasil, a transferência de seus eventos nesse semestre signifique cerca de 300 mil ingressos. Em nota oficial, a empresa incentivou o público a manter os bilhetes já adquiridos, que terão validade para as novas datas. Além disso, a produtora anunciou como está trabalhando para melhor se comunicar com o público.
Socorro financeiro
A cada cancelamento, uma cadeia produtiva que vai além de artistas e produtores é impactada. Inclui, por exemplo, técnicos de som e luz, empresas terceirizadas de aluguel de equipamentos, seguranças e outros profissionais freelancers, que ganham por evento trabalhado. Fávero cita também o comércio informal, como vendedores de cerveja, cambistas e flanelinhas. Cientes desse impacto, alguns governos estrangeiros já prometeram assistência financeira a instituições de arte, como o ministério da cultura da Alemanha e a prefeitura de Nova York.
— O setor cultural corresponde a uma parte expressiva do PIB brasileiro. Enquanto falam em medidas para auxiliar as companhias aéreas, o setor cultural não tem subsídios e normalmente tem que matar no peito — alerta Carlos Branco.
— O governo tem que se preocupar com todos os setores, mas não posso ser egoísta a ponto de pedir algo. O setor de saúde é muito mais importante do que a cultura nesse momento — opina Cláudio.
— A palavra mágica agora é caixa. E o mais simples é dar uma linha de crédito subsidiada atrelada ao faturamento da empresa — avalia Konrath.
O secretário de cultura de Porto Alegre, Luciano Alabarse, afirma que esta possibilidade não está fechada.
— Depende de um quadro conjuntural, da Secretaria da Fazenda. Mas não estamos fechados a nada — comenta. — Queremos conversar com produtores privados e expor a situação, com a assistência de quem entende do assunto na secretaria da saúde — acrescenta.
A própria secretaria suspendeu seus eventos por 30 dias, entre eles os bailes comunitários de Carnaval e a Semana de Porto Alegre.