Amigo de João Gilberto há 50 anos, o músico baiano Tuzé de Abreu chorou na tarde desse sábado (6). Mas também sorriu e se confortou ao se lembrar dos momentos que passou ao lado do pai da bossa nova, que morreu nesse sábado.
Cantor, compositor, produtor cultural e instrumentista, Tuzé é um daqueles companheiros que chegavam a passar 12 horas seguidas trancado em um apartamento ouvindo João Gilberto tocar.
Conheceram-se no final dos anos 1960, quando foram apresentados por um amigo em comum no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Três dias depois, os dois estavam juntos em Salvador.
—Foi uma amizade quase que instantânea — disse o músico.
A partir de então, volta e meia Tuzé estava no Rio de Janeiro, onde era companheiro de João nas coisas que ele mais gostava de fazer: tocar, conversar, contar histórias da sua infância em Juazeiro, sempre entremeado por xícaras de café com leite.
Era desse jeito, diz, que João se sentia bem. Sua principal dificuldade era lidar com o mundo fora do seu apartamento, no qual estavam os shows, turnês e compromissos.
Isso por que João vivia em um mundo no qual não existia horários, nem rotina.
— Podia se meia-noite de uma Sexta-feira Santa, ele estava lá, como o seu vilão, estudando — afirmou Tuzé.
Estudava obsessivamente, ao ponto de repetir uma única música mais de mil vezes, sempre tocando de maneiras diferentes.
— Eu ficava maravilhado, Não é qualquer pessoa que faz isso. Ele era um cara predestinado e extremamente disciplinado — recordou o amigo.
Por este estilo de vida, João sentia uma aflição tremenda ao ter um show ou uma turnê fora do país. Por duas vezes. Tuzé chegou a acompanhar João Gilberto em shows no Japão. Não exatamente para tocar, mas porque "João precisava ter um amigo por perto com quem conversar".
Sentia-se aflito ao pegar um avião, ao preparar-se para uma apresentação, e ao ter que despertar em um determinado horário para chegar ao show.
— Para João, viver era muito difícil. Cantar é que era legal. Tanto que depois que passava o show, ele ficava ótimo. Dava risada, contava piada e até imitava Alcione. Ele imitava Alcione muito bem — lembrou.
A última vez que se encontraram pessoalmente foi em 2008, quando João Gilberto fez o penúltimo show de sua carreira, em Salvador. Ali, Tuzé soube que o amigo não voltaria mais aos palcos.
— Notei que ele não estava mais satisfeito com ele mesmo. E João era de uma autocrítica brutal, não aceitava errar — afirmou.
Há três anos, chegaram a conversar por telefone. Com João Gilberto mais recluso, diz ter notado a falta que os amigos lhe faziam.
— Ele nem deixou eu falar, falou o tempo todo — recordou.
A morte de João, diz Tuzé, fecha o ciclo natural da vida. Mas sua obra e seu legado serão eternos.
— Ele foi absolutamente genial. Para mim, foi o maior artista que já existiu. Em qualquer área, em qualquer época — concluiu o músico.