Para abrir um canal no YouTube, é preciso ter mais de 13 anos - idade mínima do titular de uma conta no Google. No Instagram, a regra é a mesma. É por isso que a presença dos adultos se torna imprescindível, já que precisam se responsabilizar pelo conteúdo. E os desafios de crianças que vivem expostas no mundo digital não são poucos. Volta e meia, os comentários negativos surgem. Lidar com as críticas faz parte do processo, explica a psicóloga Fernanda Furia, especialista na área da criança e do adolescente com foco em tecnologia e educação:
- Os comentários de haters precisam ter um filtro dos pais, mas não se deve só mostrar o que é bom. É preciso filtrar o que é agressivo, mais pesado. Monitorar é necessário, só que sempre buscando o equilíbrio entre os elogios e as críticas.
A pesquisadora Renata Tomaz, autora da tese de doutorado O que Você Vai Ser Antes de Crescer? Youtubers, Infância e Celebridade, destaca o papel fundamental dos pais na vida dos influenciadores inclusive para o crescimento dos inscritos nos canais. Boa parte dos youtubers não têm o domínio das técnicas de edição e, às vezes, as crianças não pensam nem no conteúdos dos vídeos.
- É muito raro um canal ser altamente bem-sucedido sem os pais. A maioria dos influenciadores mirins tem uma mãe ou alguém da família que dedica-se o tempo todo para isso. Entrevistei várias crianças que tinham canais e muitas reclamavam de dificuldades para editar. Há o mito do nativo digital, só que a maioria das crianças acaba precisando de ajuda - explica Renata, que atua como professora substituta na Universidade Federal Fluminense (UFF).
E é difícil o desejo de se tornar youtuber não estar associado ao status de sucesso. As crianças querem ser famosas e conquistar milhões de seguidores. Renata avalia:
- O mundo transformou o famoso em alguém valorizado, não só no YouTube. Ser famoso é desejável, vale muito na sociedade, e isso não é de hoje. É a inflação da imagem. As crianças já nasceram sendo expostas, é uma jornada que começa pelos pais nas redes sociais. Boa parte delas têm os canais criados para mostrar para os familiares o crescimento, por exemplo. Estar visível é ter existência, é importante. Não limito tudo isso ao narcisismo: há uma cultura.
O problema é as crianças confundirem fama com amor, alerta a psicóloga Fernanda. Por isso, a decisão de dar início a um canal não é simples e deve ser tomada após uma reflexão profunda da família.
- Todo ser humano tem uma necessidade emocional, e o reconhecimento e a fama podem dar essa sensação. Isso é perigoso, porque fama é diferente do amor. Mas também há indícios de que tudo é uma maneira de se expressar, de exercitar a criatividade, de ser reconhecido. O YouTube possibilita isso - opina Fernanda, destacando também a necessidade de as famílias trabalharem a inteligência emocional digital dos pequenos:
- É colocar em prática as mesmas habilidades emocionais e sociais, só que no contexto digital: ser empático, gerir as próprias emoções. Se você recebe uma mensagem no Facebook, um comentário que dá raiva, o ideal é parar para pensar antes de responder. É você ter uma visão crítica. Como se preparar para não entrar em situações ruins, assim como aceitar as críticas. As redes são imprevisíveis, é preciso estar conscientes disso.
A psicóloga diz que as famílias devem esperar a idade mínima prevista no regulamento das plataformas para começar o canal
dos pequenos. Se a criança está ansiosa, o ideal é ter uma conversa franca com ela para investigar o que está por trás desse desejo.
- É uma vontade genuína de falar sobre um tema ou é mais de consumo? Se for o caso de fazer o canal, precisa ajudar a criança, fazer um plano. O canal está dentro de qual projeto maior? Para que isso? E qual o conteúdo? É bom testar com amigos e familiares primeiro para ter um feedback. Estimular um pensamento crítico. O que é legal ou não nos youtubers de sucesso também é importante - ressalta Fernanda.
A ansiedade para ter um canal era justamente o que tirava o sono de Rafael Vargas Ferreira. Desde os quatro anos - hoje ele tem oito -, implorava para a mãe ajudá-lo a criar seu espaço de vídeos na internet.
- Ficava olhando o YouTube, tendo ideias. Mas eu era muito pequeno, daí a minha mãe disse que, quando eu crescesse, podíamos fazer. Gostava das brincadeiras que os youtubers faziam - conta o guri, que costuma acompanhar nomes como Authentic Games e Lucas Netto.
O sonhado canal nasceu em janeiro deste ano, sob a direção da mãe, Rita Vargas Ferreira, 36 anos. A empresária conta que a família nunca levou muito a sério a vontade do menino, já que é um desejo comum da geração. Só que o sonho aumentava conforme o tempo passava.
- Achei que ia passar, mas não. Comecei a ver que realmente era o que ele queria. Ele já se sente youtuber, tem o notebook para editar, o espaço específico no quarto - explica Rita, que tem todas as contas do filho vinculadas ao seu smartphone. - Não vasculho escondida, ele sabe que preciso orientar. Tudo passa por mim. Tenho de ver o vídeo antes de ir ao ar.
Na internet, Rafael é Rafitya Vargas. Para organizar a produção, o menino tem um caderno no qual anota todas as ideias. O quarto ganhou uma parede azul, que funciona como fundo para aplicar efeitos especiais, além de uma cadeira confortável que costuma ser vista nos vídeos de youtubers famosos. Ele tenta postar um vídeo por dia, mas a rotina é tão puxada que muitas vezes a missão não é cumprida. Morador de Charqueadas, vai à escola, estuda inglês e produz para o canal - há mais de cem inscritos em seu perfil. Teve de abrir mão da escolinha de futebol, pois não era possível conciliar tudo.
- A meta dele é ter 1 milhão de inscritos. Tenho preocupações, claro. No início, tinha a questão da exposição da imagem. Mas o envolvimento de toda a família é grande. Meu outro medo é perder o lado criança, porque ele encara como trabalho. Isso me assusta. Era brincadeira, mas agora está sério. Ele espera receber coisas, fazer parcerias com marcas, monetizar os vídeos - avalia Rita, até ser interrompida.
- Espero ganhar dinheiro com isso, por isso me esforço. Não é só youtuber, é criação, gosto de criar - afirma Rafael.