Enquanto algumas famílias prezam pela cautela no mundo digital, outras fazem do YouTube a sua casa. Com a ajuda do pai e da mãe, Milena Stepanienco, 12 anos, tornou-se uma estrela da internet. Natural de Santa Cruz do Sul, protagoniza vídeos online desde os quatro anos. Participante de concursos, venceu o Miss Rio Grande do Sul em 2011, quando descobriu a habilidade para o canto no show de talentos da competição. Os vídeos com paródias foram um estouro.
– Sempre gostei de chamar atenção (risos). Gosto de extravasar, é isso o que faço quando canto e no YouTube também – conta Milena, mais conhecida como Mileninha pelos fãs.
Além de clipes, ela posta histórias curtas e vídeos com brincadeiras e desafios. Comanda dois canais que, somados, têm 4 milhões de inscritos. Sua marca são as roupas coloridas e o grande laço no cabelo. Ela cresceu, mas mantém o conteúdo voltado aos menores. Sua inspiração é Xuxa, outrora rainha dos baixinhos:
– Escolhi o público infantil e não quero mudar. Quero ser como ela, crescer e o público seguir o mesmo.
Sua pegada lúdica conquistou seguidores fiéis. Milena já lançou dois DVDs, faz shows pelo país, participação em eventos e vende produtos com sua marca, como almofadas, estojos e camisetas. A ficha do sucesso caiu quando recebeu a primeira placa comemorativa do YouTube ao chegar a 100 mil inscritos.
– Foi muito emocionante, a primeira conquista grande – festeja.
Bombeiro aposentado, o pai, Hector Chagas, 53 anos, é o responsável pela captação de imagens e a edição dos vídeos. A mãe, Maria Helena Stepanienco, 42, é uma espécie de produtora e empresária. A família, que antes era dona de uma videolocadora em Santa Cruz, vive em função do YouTube. No início do ano, mudaram-se para Balneário Camboriú (SC), pois gostam da cidade e queriam ficar perto do centro do país. O trio vive em um triplex com piscina e vista da praia.
– Estamos analisando contratar alguém para editar. Passamos o dia produzindo e a noite, editando. Cansa – afirma Hector.
Pela manhã, Milena vai à escola – a instituição convidou a garota para estudar lá ao saber da mudança para a cidade. O início da tarde é o momento de descanso e estudo e, ao fim do dia, hora de gravar. A família posta conteúdo todos os dias – os vídeos diários são uma indicação da gerente de conta que o YouTube disponibilizou para Mileninha devido ao sucesso do canal. Os anúncios em meio aos vídeos geram lucro para os criadores – a plataforma não divulga os valores, apenas diz que o cálculo varia conforme a audiência. Quando questionados sobre os temas dos vídeos, Milena atribui a si a maioria das ideias. Pai e mãe se entreolham e riem. Balançam a cabeça em tom negativo sem a filha perceber.
– Ela vem da escola e, às vezes, nem sabe o que vai gravar. Produzimos enquanto ela está na aula – diz Maria Helena, seguida pelo marido:
– As crianças gostam de suspense. Fazemos história de bruxas, dos três porquinhos, tipo série.
Por três dias, ZH acompanhou a rotina da família. Na sala do amplo apartamento, há uma área para a gravação dos vídeos junto a uma estante com dezenas de slimes – Mileninha é apaixonada por fazer vídeos fabricando a massa gelatinosa que é sucesso entre as crianças.
E é essa geleca que ela e a mãe decidem fazer em frente às câmeras para o vídeo do dia. Milena “encarna” Mileninha em segundos. Muda o tom de voz, fala alto e pede likes para o seu canal. O pai vai filmando.
Os vídeos costumam ir ao ar perto das 18h, horário estratégico porque “pega quem está saindo da escola”, diz o pai. O planejamento para valorizar o canal inclui parcerias – mas não permutas. O sucesso, no caso de Mileninha, se traduziu em patrocínios e convites para apresentações.
– Já passamos da fase das permutas. A realidade da nossa família mudou, nunca achamos que isso aconteceria. Mas o importante é ela se divertir – comenta Maria Helena.
Mileninha é uma garota famosa. À escola, vai com seu grande laço na cabeça, apesar de confessar que não gosta muito de usá-lo no dia a dia – em frente às câmeras, o adereço é obrigatório por insistência da mãe. Nos corredores do colégio, a menina é agarrada pelas crianças, que cantam suas músicas e querem abraços.
– Sou muito fã da Mileninha – grita uma menina, com lágrimas nos olhos.
As crianças repetem o bordão:
– E aí, galerinha do YouTube!
Quando as professoras conseguem abrir espaço em meio ao formigueiro de pequenas meninas, uma escapa e tasca um beijo no rosto de Milena. Simpática, a jovem estrela sorri.
– Se estou num dia ruim, tento nem sair de casa. Não quero deixar de tratar bem um fã – conta Milena.
O assédio segue nas ruas. Após a escola, a família decide passear no teleférico. Os pais vão aproveitar a ida para gravar um vídeo e avaliar se o ambiente seria apropriado como cenário de um novo clipe. No bondinho, a mãe e a menina decidem encenar uma esquete na temática “medrosa versus corajosa”, quando elas assumem personalidades opostas. As duas vão improvisando para a câmera segurada pelo pai e gritam alto, chamando atenção dos demais frequentadores. Hector tenta comandar os rumos da história, mas Milena bate o pé sobre alguns detalhes. Ao chegar ao Parque Unipraias, a youtuber é reconhecida de cinco em cinco minutos. Meninas por volta dos seis anos fazem fila para tirar fotos. São Paulo, Rio, Minas – há fãs de diferentes Estados.
Pergunto o que é o mais chato de ser youtuber. Milena pensa e, sob o olhar atento dos pais, responde:
– O mais legal são os fãs. O mais difícil é gravar quando estou rouca.
A intensidade da rotina é espantosa. No fim de semana, o foco são as grandes produções, como a história das três porquinhas, interpretadas por meninas conhecidas da família – a mãe dá vida à bruxa, e Milena, ao lobo. O local escolhido para a locação é o trapiche da Barra Norte, e Hector monta uma “casa da bruxa” no local. Nem o tempo chuvoso atrapalha os planos. A história é criada sem roteiro ou texto, apenas no improviso. Nos intervalos, as gurias jogam bola, dançam e riem. Milena se diverte, mas também demonstra cansaço durante as três horas de gravação.
O retorno para casa após um sábado árduo termina em uma roda de conversa sobre temas para os próximos vídeos. Enquanto a família não está gravando ou editando, está pensando sobre novos assuntos e planejando o futuro. O sonho de Milena, Hector e Maria Helena não virou apenas realidade, mas consome cada minuto da vida do trio. Para a menina, o YouTube se tornou um “misto de trabalho e diversão”.
E ela se transformou em exemplo para uma geração que sonha em ser alguém dentro das telas. Enquanto nos dirigimos ao carro, mais uma leva de gurias pede selfies. Pergunto o que ela mais ouve dos fãs. A resposta vem sem pestanejar:
– Sempre dizem para mim:
“Quero ser que nem você”. Esse é o bom de ser youtuber, poder mostrar ao mundo quem você é. Eu e todas as crianças somos conhecidas dentro de um mundo pequeno. No YouTube, nosso mundo fica muito maior.