Os vídeos produzidos por Rafael Vargas Ferreira, o Rafyta Vargas, oito anos, são divididos em quadros. Ele mostra seus brinquedos, faz gameplay (quando joga um jogo eletrônico e faz comentários) e experimenta novas comidas. O menino frequenta o curso para formação de youtubers da escola Happy Code, em Porto Alegre. Uma vez por semana, participa de aulas para aprimorar suas habilidades. Muito colorida, com estúdios de gravação e salas de edição, a unidade começou as operações em Porto Alegre em janeiro – há mais de 80 espalhadas pelo país.
A escola de tecnologia oferece diferentes cursos, sendo que a oficina de youtuber reúne 30% dos alunos da instituição. Nas aulas, as crianças aprendem técnicas que vão da edição dos vídeos às artes cênicas.
– A ideia não é a criança sair daqui sabendo como ganhar dinheiro com o YouTube. Trabalhamos com habilidades que serão importantes no futuro. Tratamos a questão da educação digital. Se vai gravar, não pode colocar o uniforme da escola, ou até onde pode se dar opinião sem invadir o espaço do outro. Trabalhamos a questão da criança se soltar, desenvolver seu personagem. E também a edição. São os três pilares – diz Bruno Guaspari, um dos sócios.
Como Rafael quer ser youtuber e gostou da dinâmica da escola, sua família foi além: juntou dinheiro e decidiu que vai abrir duas franquias no Rio Grande do Sul, uma em Canoas e outra em Novo Hamburgo.
– Essa implantação das duas unidades foi a partir do sonho do Rafa. É dele a escola, é uma forma de investir no sonho dele – salienta Rita.
A febre youtuber também chegou aos colégios tradicionais. O Farroupilha, na Capital, mantém desde o ano passado a oficina Conexão Farroups. Na atividade extraclasse, os alunos desenvolvem habilidades de comunicação, principalmente no audiovisual. Fazem cobertura de eventos, entrevistas, captam vídeos e os editam. Em 2017, a adesão foi de sete estudantes. Hoje, são 17 crianças.
– Eles estão gerando conteúdo digital. Criamos um estúdio para isso. Claro que os alunos trazem várias vezes a questão de ser youtuber, e precisamos tratar sobre os cuidados com relação a isso. É tudo muito novo. Tem a frustração de não dar certo, os comentários maldosos. Com o suporte da família, é preciso administrar isso, faz parte da vida – avalia Marícia Ferri, diretora pedagógica da escola.
– A infância e a adolescência são fases de descobertas. Mas as crianças podem se envolver demais, as famílias precisam monitorar. É importantíssimo a limitação de tempo – diz a psicóloga Fernanda.
Na sala de aula, pergunto se alguém quer ser youtuber. Alguns cochicham entre si, mas apenas Rodrigo de Lima Huesken, 12 anos, tem coragem de levantar a mão e responder:
– Quero ter meu canal, sim.
O garoto conta que gosta de ficar em frente às câmeras. Sem qualquer timidez, revela seus planos a longo prazo: quer ser ator e promover um canal no YouTube para manter uma base de fãs, no estilo da influenciadora Kéfera, que explodiu na internet e, agora, está na novela da seis da Globo.
– Hoje, acompanho mais o Luba. Gosto do humor que ele tem nos vídeos, e, quando é para ser sério, ele consegue, ele explica a posição dele. Quero ter vídeos assim, sem perder o humor, mas falar o que é certo, o que eu penso – afirma Rodrigo, que já participou de três espetáculos teatrais da Cia. Teatro Novo.
No meio do bate-papo, ele esclarece que, na verdade, já tem seu canal no ar, o PenseNerd. O lançamento foi em julho de 2016. Mas precisou parar as publicações após uma dura da mãe:
– Tinha que focar nas provas. No momento, estou planejando o retorno do canal, pensando em como vai ser o vídeo especial que vai ser feito para marcar minha nova fase.
A mãe, Raquel Santos de Lima, 40 anos, não encurta a rédea. De surpresa, Rodrigo apareceu com o canal pronto, e a professora ficou em choque. Depois do susto, decidiram apoiar o guri. Ela e o marido, o contador Ronaldo Huesken, 41 anos, são os parceiros do filho para ir a eventos comandados por youtubers.
– Ele sempre teve essa proximidade com a tecnologia. Só que postar vídeo todos os dias ficou complicado. Ele se envolve tanto, é tão criativo, espontâneo, que acabava mobilizando a casa inteira. A palavra-chave é equilíbrio: precisa dosar bem, precisamos dar uma cortada. Ele tem o colégio, que é a prioridade. Valorizamos o esporte, ele precisa fazer um exercício físico. Depois vem o resto. Não deixamos de apoiar, mas com o pé no chão – pontua Raquel.
A partir de tutoriais disponíveis online, o garoto aprendeu a editar os vídeos. O conteúdo versa sobre o mundo nerd, passando por séries, filmes e também esquetes – sempre com uma veia humorística bem aflorada. Rodrigo faz tudo sozinho, sob o olhar atento dos pais. Tem até efeitos especiais. Seu fiel escudeiro nas produção é Jubiscreide, uma bola de tênis que tem “vida própria”. No vão embaixo da escada de casa, ele costuma montar um miniestúdio. Posiciona a câmera em cima de um banco, que já está apoiado em uma cadeira para ficar na altura certa. Enfeita a prateleira com brinquedos e livros e usa o celular como guia para falar sobre suas séries favoritas – é no smartphone que estão suas anotações.
– O que mais gosto é que as pessoas não precisam me conhecer para me acompanhar. Podemos falar para muita gente mesmo estando em casa – explica Rodrigo.
Ele tem cerca de 50 inscritos no canal e não impõe meta para número de seguidores. Quando esboça alguma ideia nesse sentido, o pai é enfático:
– Nunca pensamos em um sucesso grande, em nível de 20 mil seguidores. Não estamos trabalhando para chegar aí. É uma diversão, por enquanto. É como o videogame do meu tempo: é uma brincadeira.