O incêndio que consumiu o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, acendeu o alerta vermelho no Rio Grande do Sul sobre a segurança dos acervos guardados em edificações precárias, com infiltrações próximas à tubulação de energia elétrica ou corroídas pelo cupim. Na segunda-feira, o secretário da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, Victor Hugo, se reuniu com dirigentes dos museus administrados pelo Estado e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae). Foi criada uma força-tarefa para traçar uma radiografia da situação das edificações.
— No Rio, parece que teve uma repetição de sinais de alerta, e no momento não temos nenhum sinal de risco iminente nas nossas instituições — diz o secretário.
Para evitar que tragédias semelhantes ocorram no Estado, o Executivo promete encaminhar uma série de medidas, entre elas, um projeto de lei que permite isenção fiscal de 100% para empresas que patrocinem o restauro de imóveis em risco iminente, a criação de um rito especial para que esses imóveis sejam priorizados, termo de cooperação entre as secretarias de cultura e de obras para que técnicos façam vistorias anuais em todos os bens tombados do Estado (cerca de 150) e o treinamento de mais servidores para criar brigadas de incêndio.
Entre os principais museus que guardam o legado histórico, étnico e antropológico do Rio Grande do Sul, especialistas apontam quatro que exigem atenção, todos no Centro Histórico de Porto Alegre. O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa apresentava até oito meses atrás infiltrações e problemas na rede elétrica. Quando chovia, a água infiltrava nas salas do porão, entrando em contato com cabos de energia elétrica. Abrigo de um dos mais importantes acervos de periódicos do país, o prédio esteve subutilizado e chegou a ser fechado entre 2016 e 2017. Em visita ontem à tarde, ZH pôde constatar que obras foram feitas para evitar o contato dos cabos de energia do porão com a água e que um novo quadro de luz foi construído. Na antessala do acervo de jornais, o clima é úmido, mas não há vazamentos.
— Tratamos primeiro de estancar os problemas relacionados à segurança, elevando os fios do porão e desobstruindo as saídas de emergência — explica a diretora do museu, Elizabeth Corbetta.
Conforme Renata Galbinski Horowitz, diretora do Iphae, o projeto do Plano de Prevenção e Proteção contra Incêndio (PPCI), protocolado no Corpo de Bombeiros em abril, foi concluído e está em fase de aprovação. Cerca de R$ 9 milhões, em verba federal, serão investidos na obra. Renata garante que o PPCI de outro abrigo da história do Rio Grande do Sul, o Júlio de Castilhos, está em situação idêntica.
O museu já foi apontado como símbolo da decadência do patrimônio cultural gaúcho e chegou a ser interditado em 2017, após inundações que destruíram pisos e paredes. Reformas substituíram mais de 100 telhas e 12 metros de calhas, além de trocar tubulações de escoamento e o relógio de luz.
O Museu de Arte Contemporânea funciona na Casa de Cultura Mario Quintana. Segundo visitantes, em dias de chuva forte, há infiltração nas salas expositivas, no sexto andar. O acervo, rico em obras de arte contemporânea regionais, nacionais e internacionais, está abrigado no terceiro andar, sem acesso ao público. Conforme a diretora Ana Aita, as condições estão "excelentes". Com relação ao PPCI, ela explica que é encaminhado pela administração da Casa de Cultura.
— De forma geral, todos os museus do Rio Grande do Sul estão abaixo da expectativa em termos de conservação das instalações físicas e formação de recursos humanos, o que compromete a qualidade museógrafa do Estado — critica Francisco Marshall, historiador, arqueólogo e professor da UFRGS.
Sem sede própria, o acervo do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS), composto por material que resgata a etnicidade e identidade de grupos migrantes e indígenas que contribuíram para forjar o povo gaúcho, está guardado em duas salas do 10º andar do Edifício Santa Cruz, junto às dependências do Conselho Estadual de Cultura. Conforme o diretor, Dilmar Portela, os itens estão bem armazenados e, de tempos em tempos, são expostos no Memorial do Rio Grande do Sul. Entre os artigos, estão 2,5 mil fragmentos de cerâmica indígena, além de peças em artesanato açoriano e de outras etnias. Mas pesquisadores questionam o acondicionamento do material.
— O MARS é uma catástrofe. O acervo foi encaixotado. É o mais catastrófico, está sem pesquisa, sem uso de qualquer natureza — diz Marshall.
Historiador de arte, curador e pesquisador, José Francisco Alves lamenta que o Estado não tenha museus públicos à altura do orgulho que os gaúchos sentem de suas tradições.
— Se você quiser saber sobre a história da erva-mate, algo de que os gaúchos se orgulham, precisará ir ao Museu Paranaense — afirma.
A historiadora e professora Zita Rosane Possamai, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS, compara a fragilidade do Museu Nacional à do Julio de Castilhos:
— O dia em que acontecer algo ao Julio, vamos chorar desesperados, como estamos chorando com o Museu Nacional. É mais uma crônica da morte anunciada. O que deveria ser o nosso orgulho está sendo a nossa vergonha — pondera.