Por Adriana Donato
Especialista em Economia da Cultura, professora de Legislação Cultural, doutoranda em Políticas Públicas (UFRGS)
Um dos museus mais antigos do Brasil, com cerca de 20 milhões de peças em seu acervo, o Museu Nacional (destruído em um incêndio no último domingo, dia 2/9) foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia vinculada ao Ministério da Cultura e que responde pela conservação, salvaguarda e monitoramento dos bens culturais brasileiros. Talvez nem todos saibam, o tombamento é um ato administrativo realizado pelo poder público, nos níveis federal, estadual ou municipal. A abertura do processo pode ser por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. Seu objetivo é o de preservar bens de valor para a população, impedindo que sejam destruídos ou descaracterizados.
Os tombamentos federais são de responsabilidade do Iphan. Embora a lei do tombamento disponha sobre compromissos relacionados à infraestrutura, o fato em si não garante dinheiro para a sua manutenção.
A Lei 6.292, de 15/12/1975, que dispõe sobre o tombamento e que cumpre com o previsto no Decreto-lei nº 25, de 30/11/1937, em seu Art. 1º, esclarece que "constituem o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público". É curioso o que refere o Art. 19: "O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras".
Na sequência, no parágrafo 1º: "Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará executá-las, às expensas da União". O parágrafo 3º deixa claro que "uma vez que se verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, às expensas da União". Por fim, o Art. 20 corrobora: "As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for julgado conveniente".
A Constituição Brasileira de 1988, no Art. 216, garante a proteção do patrimônio cultural. No parágrafo 1º, está consignado que "o poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro". Aliás, a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, de 1989, praticamente reitera a Carta Magna no Art. 222, e no parágrafo 1º ainda acrescenta que: "Os proprietários de bens de qualquer natureza tombados pelo Estado receberão incentivos para preservá-los e conservá-los, conforme definido em lei".
Em nota de esclarecimento publicada no site do Iphan, na última segunda-feira (3/9), a instituição alega que vem lutando pela preservação do patrimônio cultural. E que a ação mais recente, nesse sentido, foi a realização do seminário Gestão de Sítios Culturais do Patrimônio Mundial no Brasil, em agosto, em Goiás, e do qual resultou um documento com diretrizes para uma futura política que trataria o patrimônio cultural como ativo econômico, gerando renda e emprego. Segundo o Iphan, o seminário pautou-se em buscar "um compromisso com os governantes para que mantivessem linhas de financiamento voltadas para o patrimônio cultural" – o que evitaria situações como essa tragédia, que agora cobre de luto a memória do Brasil.
O Iphan também esclareceu que, em julho de 2017, em conjunto com o Corpos de Bombeiros e o Ministério Público Federal, deu inicio à construção conjunta de uma Normativa de Prevenção e Combate a Incêndio e Pânico em Edificações Protegidas. Ou seja, mais uma norma que talvez não seja cumprida.
Ao analisarmos o que rezam as leis e o que dizem as autoridades sobre o assunto, percebemos que o Brasil tem leis, e muito boas, sobre o patrimônio material e imaterial. Mas não basta tê-las em quantidade. E bem menos seriam necessárias, se fossem cumpridas as normas básicas de cuidados com o patrimônio público que, afinal, é de todo nós. Na verdade, se governos e sociedade se conscientizassem da importância da história, da cultura e da educação, provavelmente não estariam tão preocupados com a violência e com a corrupção, ambas em curva ascendente.