Abordado e amarrado durante uma performance ao ar livre em Caxias do Sul na manhã de sábado, o bailarino Igor Cavalcante Medina ainda não entende o que aconteceu. Sua apresentação "Fim." fazia parte do 8º Caxias em Movimento e possuía uma autorização por escrito da prefeitura. No entanto, os três guardas municipais e dois socorristas do Samu que foram até a Praça da Bandeira, no bairro São Pelegrino, não quiseram lhe ouvir. A prefeitura afirma que está apurando os fatos (leia nota oficial abaixo).
— Tentei explicar, mas eles repetiam que eu estava em surto psicótico e que tinha de ser levado para atendimento. Diziam que estavam me ajudando. Eu falava da autorização que tinha (na mochila), mas não me ouviam. Me deram uma injeção de calmante, porque diziam que eu estava alterado. Quem estava alterado eram exatamente eles — relata Medina.
O bailarino foi abordado por volta das 11h30min de sábado e levado para o Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão), onde ficou amarrado em uma maca até as 19h, quando uma psiquiatra lhe atendeu e assinou um laudo confirmando que Medina estava lúcido e consciente.
Assustado com o ocorrido, o bailarino optou por se afastar de Caxias do Sul neste domingo. Por telefone, Medina deu a sua versão dos fatos e negou que tenha ignorado as perguntas da Guarda Municipal. Ele ressalta que cada integrante da Companhia Municipal de Dança ficou responsável por criar um trabalho solo, de temática livre, para apresentar no Caxias em Movimento e que todos os trabalhos foram previamente autorizados pela Prefeitura para serem apresentados nestes locais públicos.
— Ainda estou em choque. Como não temos controle sobre as coisas? Como o outro pode ser um objeto de repressão em nossa vida? Uma simples ação de declamar um poema em praça pública. Ser amarrado, internado por surto psicótico, sem falar com ninguém, sem ninguém ouvir o que você está dizendo.
A polêmica teria iniciado pelo figurino utilizado, que estava envolvido em arame farpado. Medina esclarece que a roupa era segura e a performance não envolvia qualquer tipo de autoflagelação. O traje foi destruído e perdido durante a abordagem.
— Estava trazendo assuntos à tona, como o extermínio de pobres no Brasil e de negros pelo mundo. Estava levantando discussões necessárias. Queremos expor o que está acontecendo e buscar uma forma de diálogo, mas eles estavam em estado de vibração e não queriam me ouvir. Só se interessavam em dizer que eu estava surtado — lamenta o bailarino.
Medina é natural do Rio de Janeiro e mora em Caxias do Sul há um ano e meio. Ele veio para cidade em busca de novas oportunidades profissionais. O convite veio de sua companheira, que é da Serra. O bailarino integra a Companhia Municipal de Dança desde março.
Release divulgado pelo 8º Caxias em Movimento para promover a apresentação:
Fim.
O trabalho aborda a violência e põe o corpo em evidência para trazer à tona as diversas formas de brutalidade do cotidiano, sejam elas físicas ou psicológicas. Os corpos vão sendo envenenados até a total desumanização. Será que já não somos nada mais além de um mero pedaço de carne incapaz de sentir, incapaz de resistir, incapaz de se rebelar?
Confira a nota oficial da prefeitura sobre o ocorrido:
A prefeitura de Caxias do Sul informa que está apurando as informações sobre a abordagem ao bailarino da Cia. Municipal de Dança, realizada pela Guarda Municipal neste sábado (28/10). A partir desta segunda-feira (30/10), a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS) começará a ouvir os relatos dos envolvidos para esclarecer a situação e dar os encaminhamentos necessários. Logo os fatos sejam esclarecidos, a prefeitura voltará a se manifestar oficialmente sobre o caso.