A mostra Projeto de Pesquisa em Fotografia Contemporânea, em exibição no Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MACRS), na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, vem provocando polêmica por conta de uma ausência. Uma moldura improvisada com fita adesiva na parede evidencia o local onde deveria estar a Pietà da série Post Tenebras Lux, 2011, da artista plástica porto-alegrense Cibele Vieira, 47 anos, radicada nos EUA há quase duas décadas. O trabalho foi retirado antes da abertura da exposição, em 14 de setembro, na mesma semana em que o rumoroso encerramento antecipado da mostra Queermuseu, no Santander Cultural, ganhou destaque na imprensa nacional e internacional.
Em Post Tenebras Lux, série ainda em execução, Cibele fotografa ícones relativos a diferentes religiões pintados de preto, diante de um fundo igualmente negro. A Pietà é a imagem da Virgem Maria com Jesus Cristo morto em seus braços. No MACRS, seria apresentada ao centro de uma área com registros exibindo os órgãos genitais de homens e mulheres.
Fábio André Rheinheimer, arquiteto, artista visual e curador da mostra Projeto de Pesquisa em Fotografia Contemporânea, disse que foi sua a palavra final sobre o corte da obra de Cibele, a partir de uma “ponderação” da direção do museu, depois de reunião com representantes da Secretaria Estadual da Cultura, à qual o espaço está vinculado.
– Não fui obrigado a nada – garante Rheinheimer. – Eu estava com medo. Tive que resguardar a integridade da exposição, dos artistas, da instituição que me convidou. Diante de uma imagem de pênis ou vagina, quaisquer conotações além da artística são de responsabilidade do observador. Se fosse para questionar a religião, eu teria mantido. A provocação não era nesse sentido.
Mesmo sendo o autor da concepção da museografia, o curador acredita que a Pietà ficaria “fora de contexto” e definiu como “protesto silencioso” a decisão de manter uma referência visual à foto faltante.
– Em nossa realidade, a representação do nu causa polêmica. No país da corrupção, das negociatas abjetas, onde a saúde, a segurança pública e a educação são negligenciadas, o único assunto que realmente causa comoção pública e ferozes protestos é uma exposição de arte com imagens de pênis e vaginas? É de se pensar – comenta Rheinheimer.
Ana Aita, diretora do MACRS, justifica a decisão:
– Estávamos naquela semana do fechamento da Queermuseu, com os ânimos muito exaltados. Quando vi a obra Pietà no meio de uma área cercada por imagens de pênis, achei que podia dar problema. Diante da possibilidade de gerar outra polêmica e dar munição a quem poderia querer o cancelamento de mais uma exposição, tomamos essa decisão conjunta com o curador. Também tomamos a iniciativa de colocar a classificação indicativa para maiores de 18 anos, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em entrevista por telefone, de Nova York, Cibele disse que, até a última sexta-feira, não sabia nem mesmo que a imagem de sua autoria estaria exposta no MACRS. Alertada pelo amigo José Francisco Alves, doutor em história da arte e curador, de que a Pietà havia sido suprimida do conjunto, ela desabafou em seu perfil no Facebook: “Lar doce e infernal lar! Eu sabia que isso iria acontecer. Meu primeiro trabalho censurado pelo governo brasileiro”.
– Fiquei boquiaberta – relata Cibele. – É muito estranho, é surreal. Artistas serem censurados pelo conteúdo da obra, com isso eu estou acostumada, mas pela proximidade da obra... isso é novo.
A artista conta ter enviado uma mensagem a Rheinheimer, questionando-o sobre o ocorrido. Considera redigir uma carta endereçada à comunidade artística:
– Está na hora de a gente se unir. Essas coisas não podem mais acontecer.
O espaço vazio na parede do MACRS intriga os visitantes. Não há qualquer referência ao nome de Cibele.
– Fiquei pensando se foi algo proposital ou um protesto. A minha primeira ideia é de que foi uma censura mesmo – comentou uma estudante de teatro da UFRGS ao visitar a exposição na tarde do último sábado.