Estava torcendo por ele, mas perdi o entusiasmo quando o homem alegou falha no chip de registro do tempo. O mineiro José Aparecido Gonçalves, de 56 anos, chegou na 22ª posição na Corrida de São Silvestre. Completou os 15 quilômetros em 48 minutos e 42 segundos, tempo de atleta queniano. Se fosse verdade, teria deixado para trás cerca de 30 mil corredores, muitos deles jovens e preparados para superar longos percursos. O resultado logo despertou a suspeita das autoridades esportivas, não exatamente pela colocação do competidor, mas sim pela sua idade.
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- Preconceito! - gritei para mim mesmo, obedecendo ao instinto de autodefesa dos sexagenários. Não apenas no esporte, mas também em outras atividades, é comum que os veteranos sejam vistos com desconfiança.
Por isso, torci para que o velhinho de São Joaquim de Bicas, município da região metropolitana de Belo Horizonte, fosse um desses fenômenos da natureza que desafiam a ciência. Como meu amigo Flávio, que tem mais de 70 anos e corre diariamente entre a Tristeza, onde mora, e a Serraria, mais do que o dobro da São Silvestre. Barbudo, ereto, queimado pelo sol, ele parece um indiano correndo a Maratona de Bombaim. Mas não compete. Corre no seu ritmo, apenas pelo prazer do movimento, para manter a saúde e para fazer amigos, pois gosta de reduzir a passada para conversar com conhecidos e desconhecidos mais lentos.
Correr e trapacear não combinam. Especialmente para atletas, digamos, mais maduros, que têm plena consciência do verdadeiro sentido da corrida. Competir é para Usain Bolt. Os grisalhos não correm para chegar na frente de outros competidores. Correm para chegar na frente de si mesmos.
O médico Drauzio Varella começou a correr depois dos 50 anos e agora, também na casa dos 70, já completou várias maratonas. "Quem consegue correr 42 quilômetros enfrenta o mundo com mais otimismo e sabedoria", ensina no seu livro sobre o tema. Não é preciso tanto. Quem consegue correr (ou caminhar) a distância que lhe faz bem já está garantindo benefícios físicos e mentais importantes.
Por isso, custo a entender a história de Aparecido, que acabou sendo desclassificado por suspeita de fraude. Ele garante que não trapaceou, mas os sensores eletrônicos não registram sua passagem por todos os pontos aferidos. Isso indica que ele encontrou algum atalho ou passou pelos locais muito antes da prova.
Que papelão, seu Aparecido! Nós, os matusaléns do movimento, podíamos iniciar o ano sem essa.
Coluna
Aparecido
O colunista escreve semanalmente no 2º Caderno
Nílson Souza
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