José Mojica Marins ganha, aos 79 anos, mais um tributo em vida, reconhecimento pouco comum a artistas brasileiros. Ele e o personagem que criou e com quem se confunde. Zé do Caixão, série em seis episódios que estreia nesta sexta, às 22h30min, no canal da TV fechada Space, conta a trajetória pessoal e artística do cineasta que enfrentou a falta de recursos e a censura para erguer uma filmografia com projeção internacional no gênero do terror. A série dirigida por Vitor Mafra é inspirada na biografia Maldito - A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, lançado em 1998 pelos jornalistas Ivan Finotti e André Barcinski - este assina o roteiro com Mafra e Ricardo Grynszpan. Matheus Nachtergaele vive Mojica/Zé do Caixão. Nesta entrevista, o ator fala sobre o projeto.
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Zé do Caixão foi pensado como um longa para o cinema. Por que se transformou em série de TV? O formato permitiu se aprofundar mais na vida do Mojica?
Estou no projeto desde o início. A razão é simples: não se conseguiu captar dinheiro para o longa. Não sei se tem a ver com o desconhecimento do potencial de bilheteria que poderia ter o filme ou com o fato de o Mojica ter feito um longa pouco tempo atrás (Encarnação do Demônio, de 2008) que não foi bem de bilheteria. Aconteceu como série, e achei ótimo. Como você disse, permitiu explorar mais a vida do Mojica. Foi bacana ter tantas horas de convívio com ele e o Zé do Caixão. Mas não acho que seja uma regra séries terem mais profundidade que filmes. Os grandes longas são universos incríveis contidos em duas horas de cinema, com uma capacidade artística de síntese que as séries nunca terão.
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Como foi o processo de incorporar outra personalidade real após viver recentemente no cinema o carnavalesco Joãosinho Trinta?
O Zé do Caixão se misturou com o Mojica, criatura e criador foram se mesclando ao longo dos anos. É uma figura que habita o imaginário do povo brasileiro. E está vivo, tem trejeitos muito característicos. A questão era até que ponto imitar o Mojica, reproduzir a forma como ele vibra o "T" e o "R", a falta de respeito com o plural. A partir do episódio 2, tivemos de injetar isso também no Zé do Caixão, que vai entrando na vida dele. As unhas vão crescendo, muda o tom da voz. Tomei a liberdade de representá-lo com tintas fortes. O Mojica é um livro aberto, um cara que se expõe plenamente. É um ícone pop.
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Você teve contato com o Mojica?
Estive com ele apenas uma vez, em 2008, na saída de um cinema. Ele já sabia que eu ia fazer o filme que virou série. Quando a gente começou a trabalhar, o Mojica estava muito doente, não se tinha acesso a ele. Confesso que isso me libertou bastante, construí meu Mojica com as impressões que tinha, com o material que pesquisei, com os filmes e entrevistas que vi, os livros a que assisti. Tenho a dimensão do quão forte é o personagem Zé do Caixão. Ele é um lenda, habita uma região do nosso imaginário que é a mesma onde moram o lobisomem, o Saci Pererê, o Lampião e a Xuxa. São coisas que a gente não vai poder esquecer, para o bem ou para o mal.
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A história do Mojica é contada na série por meio de alguns de seus principais filmes. Que momentos você destaca?
Os seis filmes mostram diferentes momentos da vida dele, da estética com que ele lidava e também dos períodos econômicos que o país passava. O Mojica sempre trabalhou com muito dificuldade, num embate direto com os governos e a economia do Brasil. É um artista exemplar. Produziu com o suor e o talento. É autodidata e vive nesse Brasil com o sabor especial de ser um cara maluco, um artista que incomoda. Quanto aos momentos, a criação do Zé do Caixão me comoveu muito. É um ator fazendo um personagem que vai criar um outro personagem. E me deu um certo desespero a fase da decadência, nos anos 1980. É a época da falta de perspectiva, da falta de grana. Ele começou a fazer filmes de sexo explícito para sobreviver, ficou viciado em Pervitin. Isso foi forte.
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Fãs do Mojica acreditam que ele poderia ser mais valorizado se não fosse brasileiro. Você concorda?
Não acho que o Mojica seja desvalorizado. É mais lembrado que muitos cineastas brasileiros. Quem já viu filmes do (Rogério) Sganzerla? Ele é mais conhecido do que a gente pensa, inclusive no Exterior, com seu Coffin Joe (nome como é conhecido no Exterior). A queixa dele é a de quase todo artista brasileiro que incomoda e não se deu bem de grana. Por mais que seja o cara das sombras, dos filmes de terror, o Mojica não fez o pacto com o diabo, e isso é bonito. Ele tem sua parcela de culpa na administração dos recursos. E está tendo uma honra que poucos têm em vida, com homenagens e agora a série. Encarou a arte e a vida com muita liberdade, gargalhada e assombro. Quem ver a série vai se divertir com as dificuldades de um artista tupiniquim fazendo cinema.