O chinês Jia Zhang-ke tem apenas 45 anos, mas já construiu uma obra à altura dos grandes nomes do cinema. Além dos curtas e documentários, é responsável por uma série de dramas de longa-metragem que, entre outras virtudes, ajudam a entender as transformações pelas quais passou seu país da Revolução Cultural, na década de 1960, à globalização dos anos 2000. Encantado com seus filmes, o brasileiro Walter Salles (Central do Brasil, Diários de Motocicleta) atravessou o planeta para encontrá-lo e, com ele, visitar os lugares em que nasceu, viveu e filmou. Tudo está no documentário Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang (Brasil/China, 2014, 105min), pequena joia cinéfila que estreia nesta quinta-feira no Espaço Itaú, em Porto Alegre.
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As descobertas das primeiras imagens talvez sejam as mais encantadoras. Zhang-ke percorre as ruas de sua fria cidade natal, no norte da China, junto ao personagem-título de Xiao Wu (1997), seu primeiro longa ficcional. Antes de descobrir como o acaso conspirou para levá-lo aos cenários de obras-primas como Em Busca da Vida (2006) e 24 City (2008), o espectador ouve outros de seus principais parceiros. E constata o quão pessoais são os seus filmes.
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Zhang-ke é um dos grandes artistas do século 21 - em qualquer linguagem. Reflete sobre a construção e, principalmente, a transformação e a ruína das identidades coletivas - grande tema sob o qual acomodam-se outros assuntos candentes da atualidade, como violência e especulação imobiliária. O que Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang faz de melhor é mostrar como, no trabalho de pesquisa do realizador, uma coisa foi levando à outra.
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O jovem que usava Fenyang como espelho de toda a China na virada do século descobriu o mundo globalizado em... O Mundo (2004) e, nos anos seguintes, como ele próprio diz à câmera de Salles, entendeu melhor o seu próprio país. Paradoxalmente, são os títulos posteriores, particularmente Um Toque de Pecado (2013), aqueles que melhor se comunicam com as plateias ocidentais. Voltam a falar da aldeia para soar - ainda mais - universais.
Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang é um filme de afetos. Uma declaração de amor ao cinema de Zhang-ke. Mas seria injusto atribuí-la apenas a Walter Salles. Dedicado a Leon Cakoff, idealizador da Mostra de São Paulo e um dos responsáveis por apresentar a obra do chinês ao Brasil, o documentário tem a participação do crítico francês Jean-Michel Frodon como correalizador das entrevistas. É um projeto de cinéfilos para cinéfilos, perfeito para quem não o conhece recuperar o tempo perdido e adentrar em um universo do qual é difícil não sair seduzido.
7 FILMES FUNDAMENTAIS DE ZHANG-KE
Xiao Wu, um Artista Batedor de Carteiras (1997)
A falta de perspectivas leva um jovem a cometer pequenos furtos neste filme sobre a juventude perdida da região de Fenyang.
Plataforma (2000)
A trajetória de uma trupe de performers entre os anos 1970 e 80 espelha mudanças sociais da China no período.
Prazeres Desconhecidos (2002)
Primeiro longa de Zhang-ke em Cannes (os dois acima foram a Berlim e Veneza), narra a história de jovens desempregados, encerrando a trilogia informal sobre a modernização do país.
O Mundo (2004)
Um parque de Pequim que reproduz pontos turísticos do mundo é o cenário de um ensaio sobre o impacto da globalização sobre as tradições.
Em Busca da Vida (2006)
Nesta que é uma das obras-primas do cineasta, a construção de uma represa resulta numa região inteira em ruínas, deixando perdido um mineiro que a visita em busca de sua mulher e filha.
24 City (2008)
Outro impactante filme sobre perda de identidade que flerta com o documentário ao buscar as memórias de operários de uma fábrica que foi demolida para dar lugar a um complexo imobiliário.
Um Toque de Pecado (2013)
A violência explode em tramas paralelas nas quais as agressões são consequência de injustiças e abuso de poder.