Com seu vozeirão, Luan Richard, 22 anos, apresenta um repertório genuinamente brasileiro ao lado do Mercado Público. A música amplificada pela caixa de som que o artista ganhou de um amigo logo atrai quem passa apressado pelo local. São 10h da manhã de uma terça-feira, início de mais um dia de trabalho que se estende geralmente até às 17h.
Luan integra um universo de número desconhecido de músicos de rua. Segundo a Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre, um levantamento feito há dois anos teve 57 pessoas de diferentes artes, entre elas a música, cadastradas - número que não necessariamente representa a realidade pela não obrigatoriedade do registro. O que esses profissionais têm em comum é o contato desde cedo com a música, uma rotina de trabalho escolhida por eles próprios, o apoio da família, as incertezas da profissão e o prazer em fazer o que gostam.
Além do Centro Histórico, o Brique da Redenção é outro ponto onde costumeiramente há artistas trabalhando. Entre eles, Philipe Philippsen, 25 anos, integrante o grupo teatral Cerco, graduado em Teatro pela UFRGS e mestrando na área de treinamento rítmico para atores, na mesma instituição. Ele, que geralmente toca durante uma hora e meia aos domingos, ressalta a valorização do artista no local:
- O público do Brique tem um carinho muito grande pela arte de rua. Acho que Porto Alegre ganha muito por ter esse espaço no qual os artistas podem se expressar e ter uma contribuição sincera e carinhosa do público.
A cerca de cem metros de onde Philipe se coloca, a chapecoense Vanessa Tiburski, 30 anos, e o santo-angelense Ricardo Kilian, 31, mais conhecidos como Bardo e Fada, se apresentam. Casados há 11 anos, eles estão apenas de passagem pela cidade e vão ao local aos domingos, geralmente durante o período da manhã até o início da tarde, acompanhados de suas filhas Lavínia, nove anos, e Mônica, cinco, que brincam nas proximidades enquanto os pais tocam.
O casal vive exclusivamente do que recebe com as apresentações na rua, em bares e festas particulares, além da venda do CD próprio Love Box. Em um dia considerado por eles como lucrativo, arrecadam em média R$ 200. Mas isso é uma exceção, já que geralmente o valor obtido é bem mais baixo.
- A gente ganha um salário como qualquer outra pessoa de qualquer outra profissão - conta Fada, que se preocupa com as contas da casa alugada e das prestações de roupas.
Além disso, eles registraram a banda como empresa e pagam INSS para, no futuro, poder se aposentar.
- Nós queremos chegar na velhice e ter condições de se aposentar normalmente, como qualquer outra profissão - diz a musicista.
>> Saiba como foi a primeira vez deles tocando nas ruas
Amor pelo que faz
Ao ver Fada e Bardo, um senhor de cerca de 60 anos se aproxima. Após escutá-los, confessa que é um artista frustrado. Essa é uma cena que ocorre com frequência com o casal. Por mais que às vezes eles tenham vontade de desistir, logo mudam de ideia:
- Vamos continuar porque a gente está fazendo o que ama - resume Fada.
Para Philipe, a rua é uma entre tantas possibilidades para o futuro. Luan é muito grato pelo aprendizado proporcionado pelo que faz:
- Mesmo se eu conseguir um espaço maior, vou chegar pra mim mesmo e dizer: "Vou dar uma tocada na rua porque foi aqui que tudo começou".