Escatologia, depravação e muitos palavrões. Esses elementos somados a cenários caseiros, figurinos pobres, atuações canastronas e piadas nonsenses. Tudo isso caracterizaria um programa ruim? Não no caso de Hermes e Renato. Ri demais quando assisti pela primeira vez a atração, lá por 1999 - algo que se repete até hoje, revendo suas esquetes no YouTube. Apesar de serem impróprios para menores de idade, os quadros eram assuntos constantes na escola em que eu estudava. Frequentemente, eu e meus colegas costumavámos reproduzir falas do programa nas aulas ou no recreio.
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A estética deliberadamente trash de Hermes e Renato, o estilo do it yourself de gravar o programa e seu caráter de produção financeiramente desfavorecida, inspiraram-nos a realizar nossas próprias produções de vídeos caseiros lá pela oitava série. Era uma câmera semi-profissional na mão, uma ideia absurda na cabeça e um resultado sempre catastrófico na tela. Não tínhamos a menor noção de enquadramento, roteiro, atuação, nada. Éramos apenas adolescentes filmando algo que seria engraçado para a gente, ou, no caso, imitando nossos ídolos. Queríamos ser Hermes e Renato.
Figurinos eram improvisados com o que tivéssemos à mão. Não nos esforçávamos para sermos ótimos atores ou coerentes com o enredo (se existisse), apenas queríamos nos divertir. Aliás, sobre os enredos que desenvolvíamos, as histórias eram as mais absurdas e, normalmente, continham serial killers. Por exemplo, em um de nossos vídeos, o velho cuja foto está na embalagem da farinha de aveia matava pessoas, sem nenhum motivo. Como trilha sonora, utilizávamos os ringtones de celular. Era tudo em plano sequência, pois não sabíamos editar uma fita. Enfim, o que nos importava era sermos engraçados para nós mesmos. E, claro, tentar se parecer com o programa que a gente assistia.
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Hermes e Renato não apelava para bordões ou piadas fáceis. Ok, alguns jargões eram característicos de personagens como o Boça e seu "puta mundo injusto, meu", mas a construção da esquete não girava em torno disso, a fala simplesmente acontecia. O programa se distinguia das outras atrações de humor da televisão brasileira por sua utilização da linguagem trash de maneira deliberada, como uma espécie de ferramenta. Antes, parecia que o humor televisivo no Brasil estava limitado as repetições de frases de efeito.
O programa Hermes e Renato era diferente, se reinventou várias vezes - além das esquetes, produziu novelas (O Proxeneta e Sinhá Boça), dublagens de filmes (Tela Class) e fez sucesso com uma banda de paródia (Massacration). Acertava no tom do humor politicamente incorreto, algo em discussão hoje em dia. A atração não era só paródia, havia uma crítica também, só que mais velada - como é o caso de quadros como o Tolerância Mil.
Por trás de tudo isso, Hermes e Renato tinha Fausto Fanti como seu mentor. Ao lado da trupe, Fausto foi o responsável por oficializar na televisão brasileira uma forma de humor que o jornalista Pablo Miyazawa descreveu em seu Twitter como algo que "distanciava os moleques da turma do fundão das meninas da primeira fila". Com sua morte, resta rever seus melhores momentos no Youtube. Acredito que a geração que cresceu assistindo Hermes e Renato compreende a simples lição que o programa, por meio de sua linguagem trash, transmitia: não é preciso de muito para fazer graça. Obrigado, Fausto.
*estudante de jornalismo cujo trabalho de conclusão tem Hermes e Renato como objeto de estudo. William é assistente de conteúdo em ZH.com
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