Ana Norogrando pisa a terra entre discos de arado enfileirados no chão. É um momento de lembranças da infância rural, em Cachoeira do Sul, e também de reencontro com a instalação Terra, obra reeditada especialmente para a retrospectiva que o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) inaugura nesta quinta-feira.
Os 30 discos de arado repousam sobre a grossa camada de terra que cobre o piso de uma das galerias do segundo andar. Apresentado em 2004, no Armazém A6 do Cais do Porto, Terra é um dos mais marcantes trabalhos de Ana:
- Sou filha de colonos agricultores e sempre tive contato com a terra. Acabei indo procurar essas rodas de arado nas lavouras, preservando o desgaste delas.
Aos 62 anos, a artista ganha uma exposição com mais de cem obras, desde as primeiras pinturas, nos anos 1960, até seus trabalhos mais recentes em escultura. Os 45 anos de uma produção diversa são revistos em um catálogo com mais de 300 páginas, entre imagens, ensaios e textos biográficos, que será lançado na abertura da mostra, às 19h.
Aluna nos anos 1960 e 1970 de mestres como Ado Malagoli, Fernando Corona e Yeddo Titze, Ana passou as décadas seguintes trabalhando com esculturas, totens, ostensórios, arte têxtil e instalações. Produzindo ou dando aula na UFSM, ficou conhecida por suas malhas de fibras metálicas, resultado de meticuloso processo manual e cuja aparente delicadeza contrasta com a rudeza do material:
- É um resgate dos panos feitos pelas mulheres da colonização italiana. O metal confronta a submissão e a delicadeza.
Um conjunto dessa fase está reunido com dezenas de obras em uma das galerias do Margs. Alguns desses trabalhos geraram obras públicas em Santa Maria e Santo Ângelo, além da que está na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Nos anos 2000, Ana começou a trabalhar com videoinstalações, usando imagens que capta do Guaíba e da natureza que a cerca na Ilha Grande dos Marinheiros, onde vive e mantém ateliê há quase 10 anos. Sua produção recente retoma a escultura, com obras formadas por partes de manequins e maquinário agrícola - essa série está reunida em outra galeria do Margs. Nesses trabalhos, Ana sublinha novo comentário sobre a condição feminina:
- A situação da mulher ainda me incomoda. A vida está mudando, mas muitas coisas continuam como no passado.
Para o curador Gaudêncio Fidelis, essas esculturas sinalizam um novo momento na trajetória de Ana.
- Alçam um voo ambicioso de liberdade criativa que até então sua obra não havia adquirido. O trabalho da Ana tem essa delicadeza e sutileza formal, mas, quando vemos, é um material árduo, agressivo em certo sentido - diz o curador.
Diretor do Margs, Fidelis anuncia que a mostra de Ana é a primeira de uma série de individuais após um período marcado por coletivas com obras do acervo. Serão "exposições abrangentes de artistas que ainda não ganharam merecidas retrospectivas". Um nome já confirmado é Mário Röhnelt.
- A obra da Ana dá uma contribuição para a produção do Estado e tem condições de oferecer um papel importante para a arte brasileira. É o caso de outros artistas que resgataremos nesse novo estágio do programa do museu, sempre com publicações que tragam reflexão teórica - diz Fidelis.
Ana Norogrando: Obras 1968 - 2013
> Abertura nesta quinta-feira, às 19h. Visitação até 23 de março, de terças a domingos, das 10h às 19h.
> Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), Praça da Alfândega, s/nº, fone (51) 3227-2311, em Porto Alegre.
> A exposição: apresenta uma retrospectiva dos 45 anos de produção de Ana Norogrando, entre pinturas, esculturas, objetos tridimensionais e instalações. Na abertura, será lançado um catálogo da artista que estará à venda por R$ 90. Depois, o livro estará disponível na loja do Margs por R$ 120.