
Nesta sexta-feira (14) à noite, sobe ao palco do UCS Teatro João Candido Portinari, 86 anos, graduado em Matemática e com doutorado em Engenharia de Telecomunicações. Filho de Candido Portinari, um dos mais importantes e célebres pintores brasileiros, João percorreu uma trilha acadêmica bem distinta do percurso do pai, o pintor da compaixão.
Contudo, desde 1979, ou seja há 46 anos, João Candido tem sido incansável na condução do Projeto Portinari, não apenas catalogando a obra do pai, mas também — e principalmente — aproximando crianças e jovens (sobretudo os mais carentes), desse manancial artístico de mais de 5 mil obras registradas. Obra que está imortalizada por retratar os problemas sociais desse Brasil que se ramifica em tantos Brasis.
À convite da UCS, que celebra nesta sexta-feira 60 anos dos cursos de Artes Visuais, João Candido vai conduzir a plateia a uma viagem pictórica e emotiva. A palestra Do Cafezal à ONU vai traçar as relações entre aquele menino de origem humilde, filho de descendentes italianos, cuja vida foi forjada pelo trabalho no campo, até o artista que pintou o triunfal mural Guerra e Paz, estabelecido em um dos prédios mais simbólicos do mundo, a sede da Organização das Nações Unidas.
João Candido defende a permanência do sentido da obra do pai, apesar do distanciamento histórico, marcado por uma série de revoluções que ocorreram no mundo a partir do pós-Segunda Guerra Mundial.
— Nós estamos vivendo, atualmente, em um mundo convulsionado, mais até do que na época dele. Nós estamos assistindo aí duas guerras terríveis. Nós estamos assistindo a discursos de ódio por toda parte. E a obra do Portinari não é apenas uma obra plástica, não é só vista pela estética. A obra do Portinari contém uma mensagem humanística, profunda, de compaixão, de amor, de fraternidade, de solidariedade, de justiça social e de paz.

Ao traçar a relação de "guerra e paz", João Candido retoma a importância e o simbolismo de uma das obras mais conhecidas e marcantes da carreira de seu pai e que será reverenciada na palestra.
— Não é à toa que os dois painéis, Guerra e Paz, estão na sede da ONU, em Nova York, em um local absolutamente estratégico, naquele grande hall de entrada da Assembleia Geral da ONU. Quando os delegados chegam para se reunir, eles se veem diante do painel da guerra, e quando eles saem, se veem diante da paz. É uma mensagem muito simples, mas poderosa, que traduz a própria missão da ONU, que aliás está sendo pouco obedecida nesse momento — avalia João Candido.


O olhar de quem se vê retratado
Geralmente, as obras dos artistas visuais ficam expostas em galerias e museus e as pessoas são conduzidas até esses espaços para exercitarem a fruição diante das telas, gravuras ou esculturas, por exemplo. Contudo, um dos pontos centrais do Projeto Portinari é levar as obras até onde estão as pessoas. A partir disso, conta João Candido, um novo mundo se abre diante do espectador, porque o foco é expor a arte a quem é mais exposto à injustiça social.
— Você não imagina a emoção que essas pessoas sentem ao ver pela primeira vez uma exposição de arte que fala de temas tão entranhados nos problemas que elas vivem — enfatiza.
Numa dessas situações, conta João Candido, eles levaram algumas das obras de Portinari para uma aldeia indígena dos chamacocos, que habitam a margem esquerda do rio Paraguai, no limite entre o Mato Grosso do Sul e o Paraguai.
— Um indiozinho entrou no convés da chalana (pequena embarcação) onde estava a exposição e foi direto para um retrato de um indígena pintado pelo Portinari. E ele ficou ali paralisado, olhando como se estivesse pensando: "ué, alguém já me viu antes e me pintou assim?".
A cena desse menino diante do retrato, como se espelhasse a si mesmo, pintado por um artista que ele nunca viu, sintetiza não só o valor artístico, mas o sentido da obra de Portinari. Sentido que pode ser resumido a uma única palavra.
— Eu fui amadurecendo isso ao longo dessas mais de quatro décadas me dedicando ao projeto e hoje eu tenho certeza absoluta de qual é a palavra. É compaixão! Mas não no sentido de ter piedade ou ter pena. Porque esse é o sentido mais comum na língua portuguesa. Prefiro o sentido anglo-saxão de "compassion", que significa empatia. Compaixão no sentido de você sentir a dor do outro e se solidarizar com ela — sintetiza João Candido.

Programe-se
O quê: Do Cafezal à ONU, palestra com João Candido Portinari, e exposição de gravuras de Candido Portinari.
Onde: UCS Teatro (Bloco M do Campus-Sede).
Quando: sexta-feira (14), às 20h (palestra). A exposição pode ser vista a partir das 10h.
Quanto: entrada gratuita. Interessados em receber certificado de participação devem se inscrever neste link.
Realização: O evento integra as comemorações dos 60 anos dos cursos de Artes Visuais da UCS e dos 150 anos da Imigração Italiana no RS, com parceria do Consulado Honorário da Itália em Caxias.