Desconheço a existência de alguma pesquisa sobre isso, o que não seria difícil, mas acredito que Noel Rosa seja o mais lembrado entre os compositores brasileiros do passado. Gravações de suas músicas são frequentes e elas podem ser ouvidas todos os dias nos bares da vida. Agora mesmo, está voltando às estantes o livro No Tempo de Noel Rosa, de Almirante, 50 anos depois da primeira edição (1963) e ausente das livrarias há mais de 30 anos. Com o subtítulo de O Nascimento do Samba e a Era de Ouro da Música Brasileira, é uma obra clássica, a primeira a descrever a breve carreira do Poeta da Vila e a revelar boa parte de sua intimidade. Almirante (1908 - 1980), como ficou conhecido o cantor, compositor e radialista carioca Henrique Foréis Domingues, conviveu de perto com Noel do empolgante início ao rápido e trágico fim. Com talento inato de historiador, ele desde cedo soube perceber a dimensão do gênio.
O livro resulta de uma série de programas apresentados por Almirante no início dos anos 1950 na Rádio Tupi do Rio, adaptados para publicação na Revista da Semana. Os textos têm o formato de crônicas, a leitura flui ao sabor das reminiscências e do famoso arquivo do autor, sem preocupação excessiva com a ordem cronológica dos acontecimentos. Na verdade, ele conta a história de uma época febril, cheia de descobertas, como a gravação elétrica e a chegada do rádio, e situa Noel, o "filósofo do samba", como seu principal protagonista. No prefácio à segunda edição (1977), o jornalista Sérgio Cabral atesta que Noel criou uma linguagem musical: "Homem de classe média, foi quem primeiro aprendeu a música das camadas populares, dando-lhe um tratamento que abriu caminho para que outros setores da população participassem criadoramente do desenvolvimento de nossa música."
Quando Noel surgiu, o samba estava em processo de afirmação e a música da moda no Rio era a nordestina, "sertaneja", cantada por grupos como Os Turunas Pernambucanos. Não por outra razão, o Bando dos Tangarás, formado em 1929 por João de Barro (Braguinha), Almirante, Alvinho, Henrique Brito e Noel (com 19 anos), embora cantasse lundus, sambas e marchas, tinha na base do repertório as "emboladas sertanejas" - como Meu Violão, primeira composição dele gravada. Em pouco tempo, no entanto, ele faria de Vila Isabel referência do samba e daria início à vertiginosa vida de artista do rádio, do disco e da boemia. Depois dos compromissos, a noite era seu destino. Nela, as mulheres. Bebia muito e pouco se alimentava, em parte devido ao problema de nascença no maxilar, que dificultava sua mastigação. Veio a doença.
No caso das mulheres, mesmo salientando Ceci como a maior paixão, Almirante não vai muito fundo. Por outro lado, tendo frequentado a casa do amigo, traz um bom retrato da família. No que interessa particularmente aos gaúchos, conta detalhes das apresentações no Rio Grande do Sul, em 1932, dos Ases do Samba (Francisco Alves, Mário Reis, Nono, Pery Cunha e Noel). Naqueles dias, ele compôs Até Amanhã, dedicada a uma paixão deixada para trás num cabaré de Porto Alegre. As crônicas e os causos do livro são quase sempre acompanhados de letras de músicas, com temas surpreendentes e rimas brilhantes. Há textos de operetas que acentuam o humor e a ironia. É incrível Noel ter morrido tuberculoso com 26 anos, e em sete ter feito quase 300 músicas e injetado tanto futuro na música brasileira. Outro "detalhe" que sempre me comove é o fato de ele ter nascido e morrido no mesmo quarto da mesma casa em Vila Isabel.
Antena - música para ver, ouvir e dar passagem
Bagunça Generalizada, do grupo Cadeira de Balanço
O choro vive mesmo bons tempos, com novos músicos e grupos emergindo pelo país. Uma das novidades é o Cadeira de Balanço, formado em 2010 em São Paulo por seis jovens com formação acadêmica e alguma experiência acompanhando outros artistas. Começaram a fazer a fama em bares até se tornaram atração do Ó do Gorobodó e serem estimulados por Yamandu Costa a gravar este primeiro disco. São todos ótimos instrumentistas, mas é inegável o destaque do flautista Enrique Menezes, que ainda será muito falado. Ele pontua todas as músicas ao lado de violão de sete cordas, cavaquinho, bateria e rica percussão, com arranjos inventivos mas dentro da tradição do choro, dominando vários formatos do gênero. Há choros de mestres como Toninho Ferragutti, Zé Barbeiro e Hamilton de Holanda, mas os deles não ficam devendo e têm surpresas. Choro Music, 2013.
Contato: producaocadeiradebalanco@gmail.com
Águas Memórias, do trio Conversa Ribeira
Para quem gosta de música com aroma de natureza, este é um álbum encantador. O segundo do trio formado pela cantora Andrea dos Guimarães, o pianista Daniel Muller e o violeiro João Paulo Amaral, todos formados pela Unicamp. A sonoridade parte da música caipira de raiz mas, como dizem, transborda as fronteiras dos gêneros musicais. "Somos nascidos e criados em cidades do interior e a relação com a música caipira nos traz muito afeto", resume Andrea, dona de uma voz impressionante. O dado folclórico, presente na (aqui sutil) viola caipira, encontra o rigor das formas eruditas do grande piano de Daniel. Ao lado de canções deles, estão clássicos como Morro Velho (Milton Nascimento), Lembrança (Zé Fortuna), Chico Mulato (Raul Torres/ João Pacífico), A Coisa Tá Feia (João Carreiro) e Felicidade (Lupicínio). Um trabalho do tipo raro. ProAc de São Paulo/Tratore, 2013.
Contato: www.conversaribeira.com.br
Mandinho, de Leandro Maia
Já começo dizendo que este álbum é uma obra-prima. Artista de fina sensibilidade, em Mandinho Leandro consegue algo raro: praticamente desfaz as fronteiras entre os mundos infantil e adulto. É para ser um disco para crianças, com espírito de criança, mas como não há nenhuma concessão ao que se costuma ouvir em discos infantis, nem nos textos, nem no tratamento musical sofisticado, vale para todos os públicos. Leandro chamou uma turma da pesada para brincar com ele e outras crianças, de André Mehmari (que piano!) a Thiago Colombo (que violão!), passando por Simone Rasslan, Kako Xavier, Fábio Mentz, Paulo Gaiger, Paulinho Cardoso. Canções como Samba da Páscoa, Bem Capaz, Pé na Areia, Todo Mundo Mama e Cacunda, em ritmos como valsa, frevo, milonga, baião, deixam no ouvinte uma sensação de felicidade. Obrigado, Leandro. ProCultura de Pelotas, 2013.
Contato: www.leandromaia.com.br
Piracema, da banda No Amor
Gostei bastante do primeiro disco da banda carioca, lançado em 2010. Mas este segundo supera as expectativas e justifica seu sucesso crescente. Gabriel Bubu (ex-Los Hermanos), Marcelo Callado, Ricardo Dias Gomes (ambos ex-Banda Cê, de Caetano Veloso) e Gustavo Benjão fazem uma deliciosa salada pop em que se encontram temperos dos próprios Hermanos, Manu Chao, psicodelia, vanguarda paulista, country music, carimbó, guitarrada etc., mas com sabor personalizado. Usando clarinete e clarone, a primeira faixa, Ar, tem um minimalismo zen; a 18ª e última, Undum, é um rock que vira ciranda e termina com quatro minutos de som de chuva. No meio delas, muita diversão, dança e letras que dialogam com a inteligência. Tudo com a ajuda de amigos como Moreno Veloso, Rodrigo Amarante, Kassin, Arto Lindsay, Marcelo Jeneci, Alice Caymmi.
Lei de Incentivo do Rio de Janeiro, 2013.
Contato: conjuntodoamor@gmail.com