Existem artistas de uma música, existem artistas de ciclos e existem artistas que passam gerações. Gabriel O Pensador faz parte deste último grupo. Um dos pioneiros do hip-hop brasileiro, o cantor emergiu na cena musical brasileira três décadas atrás ao botar o pé na porta com Tô Feliz (Matei o Presidente) — hit censurado pelo governo de Fernando Collor já sob processo de impeachment —, combinando poesia, crítica social e reflexões sobre a vida cotidiana.
É exatamente isso que o artista traz em seu mais recente trabalho, Antídoto pra Todo Tipo de Veneno — primeiro álbum de inéditas desde Sem Crise (2012) —, lançado no mês de setembro. O resultado poderá ser visto ao vivo no palco do 27º Planeta Atlântida, que ocorre nos dias 2 e 3 de fevereiro de 2024 na Saba, em Atlântida, no Litoral Norte.
Após um hiato de sete anos, ele volta para se apresentar no segundo dia de festival. Os ingressos estão à venda no site oficial (planetaatlantida.com.br) e nas Lojas Renner credenciadas.
Sobre o show no Rio Grande do Sul, Gabriel garante:
— Aí eu me sinto em casa. Meu pai era gaúcho (o médico oftalmologista Miguel Contino, falecido em 2020). Vou mostrar um novo show com novos músicos, que eu adoro e dos quais sou fã. A gente gosta muito de fazer shows em festivais, mas o Planeta é especial, uma referência. É do melhor que nós temos.
Mistura
Se depender do novo álbum, o público pode esperar uma apresentação com muito hip-hop raiz, mas também trap e reggae. A mistura de gêneros, inclusive, é o fio condutor de grande parte das 12 faixas de Antídoto..., que traz parcerias de peso com artistas como Armandinho, Black Alien, Papatinho, Sant, além do surfista havaiano Makua Rothman.
Ao lado de Lulu Santos e Xamã, o cantor revisita uma de suas músicas mais icônicas. Cachimbo da Paz 2 dá sequência ao hit do álbum Quebra-Cabeça, de 1997, no qual é exposta a forma como o Brasil lida com a violência contra os indígenas e a guerra às drogas.
— Logo que escrevi Cachimbo da Paz 2, falei com o Lulu (Santos) e fiquei curioso para ver a reação. Ele topou o desafio na hora, não teve nenhum “senão”, e já veio com um refrão que eu adorei (“Brisa, eu vou na brisa”). Já o Xamã foi na onda do pajé, que eu pensava em ter na história para ressuscitar o velho cacique. Ele tem uma ligação não só sanguínea, mas, como pessoa pública, levanta essa causa indígena — comenta.
A forte consciência sobre temas que envolvem o dia a dia acompanha Gabriel desde o início da carreira. Contudo, o carioca também traz à tona aspectos pessoais. Característica essa que aproxima ainda mais suas letras de uma identificação profunda com quem escuta:
— Tem um pouco de cronista na atividade do rapper. O álbum traz esse desabafo sobre assuntos importantes de hoje, como a depressão, a ansiedade, as frustrações e decepções da vida. Eu acabei desabafando bastante coisa ali nesse sentido, e muita gente tem conseguido refletir sobre isso. Não dá para jogar para baixo do tapete certas questões, certas dificuldades que todo mundo enfrenta.
Dilema
O músico lembra que o dom da escrita quase o fez deixar de lado a trajetória como rapper para cursar Jornalismo na década de 1990, muito por influência da mãe, a comentarista econômica e ex-apresentadora do Jornal da Globo Belisa Ribeiro:
— Quanto eu já estava fazendo um monte de letras de rap, no ônibus 175 (que percorre o trajeto entre o Centro e a Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro), na fila do serviço militar, querendo levar isso para a frente sem saber se daria certo, resolvi me inscrever para o vestibular de Jornalismo. Cheguei a entrar, mas em pouco tempo consegui um contrato com a gravadora Sony Music.
Mesmo se mostrando moderno em sua atual fase — as batidas do boom bap, que são clássicas no rap, dão esse recado —, o artista não se diz preocupado com a cobrança por se reinventar. Bem pelo contrário, aparece como algo natural na medida em que a necessidade de se expressar é a prioridade.
— Eu não me vejo preocupado com esse dilema. Sempre fui muito de experimentar, principalmente nas canções que eu fiz nesse período em que parei de lançar álbuns. Vou brincando com a música e curtindo isso. Não é um trabalho do tipo: “Vou sentar aqui e tenho que escrever”. É algo espontâneo — revela Gabriel sobre o segredo de estar na ativa até hoje.
E para aqueles que sonham em um dia trilhar um caminho de tanto sucesso quanto o dele, o próprio dá a direção:
— Hoje, temos uma enorme quantidade de artistas, e as informações estão muito atropeladas. Então, o interessante é tentar se diferenciar sendo o mais original possível, sem querer copiar o que está dando certo. Mesmo que haja coisas que possam tentar influenciar, não vista personagens e não se aproprie de discursos “manjados”.