O Auditório Araújo Vianna irá virar uma grande roda de samba neste sábado (8). No palco, ao redor de uma mesa com 12 músicos, estará Marcelo D2, a partir das 21h. Ele volta a Porto Alegre com a turnê Um Punhado de Bamba.
Com foco no samba, o show deverá trazer hits de D2, como Qual é? e Desabafo, além de clássicos de nomes como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Fundo de Quintal. O repertório também trará faixas do disco Iboru, nono álbum solo do artista, que foi lançado em junho.
No trabalho (cujo título traduzido livremente do Yoruba significa "que sejam ouvidas as nossas súplicas"), D2 leva o grave eletrônico do rap ao ritmo brasileiro, em um movimento que ele chama de "novo samba tradicional". O músico conta, ao longo de 16 faixas, com participações como Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Alcione, Mumuzinho, B. Negão, Mateus Aleluia e a banda Metá Metá.
Em entrevista a GZH, D2 falou sobre o show, a concepção do novo álbum, religiosidade e a passagem de sua mãe.
Como você construiu o show Um Punhado de Bamba?
Quando acabou a pandemia, voltei a frequentar as rodas de samba do Rio inteiro, pincelando o grupo que estou chamando de “Punhado de Bamba”. Esse show tem um pouco dessa mistura do rap com o samba, mas só que agora no terreno do próprio samba. Está incrível! Talvez tenha feito um dos melhores shows da minha vida em São Paulo, há umas semanas atrás (16 de junho), na Audio. Estou louco para chegar em Porto Alegre, pois esse anfiteatro (Araújo Vianna) é maravilhoso. E esse show tem essa coisa da mesa, que é muito importante para mim nesse projeto todo. Os músicos ficam em volta da mesa, que traz esse ar de terreiro, mas, ao mesmo tempo, há um telão atrás com vídeos. É mais que um show de samba, é um show do Marcelo D2.
Então, com disco novo e esse show, você volta a Porto Alegre em um momento de frescor na carreira?
É o momento que está me deixando mais empolgado na música desde Procura da Batida Perfeita (2003). Mas acho que supera isso. O tempo vai dizer, mas talvez eu tenha o meu melhor disco na mão agora. Tudo partiu de uma experiência que venho fazendo há um tempo, quando resolvi assumir o que estou chamando de “novo samba tradicional”, que vem com essa coisa do grave que a música pop se apoderou da cultura hip hop. Você ouve esse grave de Anitta a artistas sertanejos. Da Beyoncé a tudo da música pop hoje em dia. O samba, por talvez ter esse surdo, que já é o grave que comanda, demorou um pouco para usar. Até já tem uma galera que experimenta, como o Thiaguinho, que já usa umas coisas eletrônicas. Resolvi fazer essa experiência.
Como é que foi a concepção de Iboru? O que levou você a esta sonoridade apresentada no disco?
Acho que não é novidade para ninguém eu fazer um disco de samba. Meu caminho já estava traçado para aí. Mas estava muito a fim de achar um samba que fosse meu, que falasse desses meus 30 anos de carreira, que trouxesse um pouco do punk e do rap para dentro do samba. Isso não é uma coisa que sai de uma hora para outra. Estou pesquisando isso há anos. Teve um estalo disso na minha cabeça. Começou com um surto de trocar o surdo pelo grave da 808, o grave eletrônico. Depois vem a caixa do trap estar junto com a caixa do samba. Ainda tem muita coisa a se explorar aí. Também é o primeiro disco que componho samba. Estou acostumado a compor de tudo, mas é a primeira vez que boto na rua minhas composições de samba. Foram muitos testes, muitas horas de estúdio. Muitas horas de roda de samba e muita conversa com os mais velhos.
E você dividiu o disco em três atos.
Não foi nada proposital. O primeiro ato é essa apresentação do novo samba tradicional, com os efeitos nas vozes, uma coisa que não se usa muito no samba, mas se utiliza no rap. Os instrumentos tradicionais do samba sendo aproveitados de maneira diferente, com filtros. Tem o segundo ato onde vou lá na raiz, que é basicamente o meu encontro com o Kiko Dinuci, do Metá Metá. Acho que desde Baden Powell não tem um violão tão forte na música brasileira como o do Kiko. Costumo falar que até o áudio de WhatsApp dele é bom (risos). Tem também o Mateus Aleluia. No terceiro, vai para uma coisa mais popular, vem Alcione, Mumuzinho, Zeca Pagodinho e acaba com uma reza do Luiz Antônio Simas (escritor, professor e historiador), um cara que é uma grande inspiração para o disco. Acho que o meu passeio pelo novo samba tradicional tem muito de ancestralidade, mas também é muito contemporâneo. É um disco supermoderno, mas que te leva para o quintal da casa da tua avó.
Há também influência da obra de Luiz Antônio Simas nesse disco, não? Como é sua relação com o trabalho dele?
Há referências que foram muito fortes para esse disco, como os últimos trabalhos do Kendrick Lamar e Tyler, the Creator. Ambos têm o grave que busquei para o samba. Também a Clementina de Jesus. E ainda minha parceria com a minha esposa, Luiza (Machado). Tudo isso foi muito importante para esse disco. E tem o Simas, que foi um encontro na minha vida. Já o conheço há muito tempo. Costumo falar que ele é o real influencer, as pessoas tinham que segui-lo, pois é um professor e escritor. O cara fala de comida, história, cultura, religião, futebol, de tudo que é bom. Ele verbaliza muito bem as coisas que acredito. É uma grande influência. É irmão de Ifá também. Tem sido muito parceiro, me aconselhado bastante. Ele que me deu esse toque de que o disco era sobre o tempo. Simas autentifica para mim a sabedoria de subúrbio. De saber fazer o feijão. De saber fazer unguento para curar uma ferida. Não precisa procurar a drogaria, pega a erva no quintal e faz. Essa sabedoria é muito preciosa.
Esse disco também marca um reencontro com a sua religiosidade, não? De que maneira você reencontrou sua fé?
O punk sempre me deixou num lugar niilista. Não acreditava muito em nada, mas minha família sempre foi do candomblé. Mas minha mãe era uma pessoa que entrava numa igreja católica, rezava Ave Maria e falava “axé” no final. Ou ia num terreiro, cantava e falava “amém”. Sincretismo sempre foi parte da nossa família. A fé é maior do que a religião. Quando minha mãe faleceu há três anos, senti que precisava de um conforto. Não tinha mais os meus pais. Aí veio essa busca pela ancestralidade e comecei a perceber que meu ancestral estava nos orixás, nos meus antepassados. Percebi também que sempre fui um cara de fé. Fazer uma banda que nem o Planet Hemp tem que ter muita fé, é acreditar na utopia, que o mundo pode ser melhor, isso é fé. Tenho muitos amigos e amores, e isso também é muita fé. Perceber que tudo isso era fé foi muito importante. E me iniciei no Ifá, que, para mim, é mais uma ciência ancestral do que uma religião. É como se fosse um oráculo, traz respostas para tudo. Esse caminho foi muito importante, me trouxe muito conforto. Se me dissessem há 20 ou 30 anos que ia virar um cara de fé, eu ia rir. Mas esse encontro com a fé, para mim, vai além da religião. Vai ao encontro a sabedoria e, principalmente no meu caso, aos meus ancestrais. Saber de onde a gente veio, o que os nossos passaram até aqui e agora. Agora sou um cara de muita fé, acendo vela todos os dias. Converso com alguma coisa que acredito que seja Deus, converso comigo mesmo. É uma coisa muito recente e que tá sendo muito gostoso.
Muda a perspectiva.
Muda, cara. O sorriso dos meus filhos tem outro significado. Eu olho para eles, vejo aqueles sorrisos, e percebo que Deus está ali. Me deu um conforto muito grande nesse lugar, após perder minha mãe.
Você abre o disco com Saravá, que traz um áudio de sua mãe. Também utiliza outro trecho de gravação dela na última faixa, Pra Curar a Dor do Mundo. Como foi essa decisão de incluir esses momentos no disco?
Foi natural. Já tinha começado esse disco antes dela morrer, com esse papo de ancestralidade e fé. Quando ela morreu, percebi que estava certo. Que era o caminho a ser seguido. Fui escrevendo música. Para mim e muitas pessoas que ouvem o disco, é um trabalho de muita emoção. É um disco de um coração aberto para caramba. Tem quintal, tem comida, tem tudo ali. Não tinha como não ter minha mãe. No áudio inserido na última música, a fala dela é muito sobre tempo também. Ela está me ensinando a fazer feijão: abre a panela, se não tiver curado, deixa o tempo curar. Parece que ela está falando de outra coisa ali. Parece que ela está falando da passagem dela. Da vida. Tem que cozinhar as coisas, esperar ficar bom para depois comer, digerir e botar para fora.
E o áudio da abertura traz ela bastante feliz e orgulhosa com um show que você fez.
Senti uma falta danada da minha mãe. Estava com medo de ir ao apartamento dela. Eu e minha irmã o colocamos para vender, mas deixamos fechado. Não queríamos ir até o imóvel, ficamos meio assim. Fui lá e senti que fazia um tempão que não ouvia a voz dela. Fui buscar lá no WhatsApp, depois de uns quatro ou cinco meses depois que ela tinha morrido. Ouvi aquele áudio dela fazendo um elogio gigantesco ao show, e minha resposta foi só um “valeu, mãe”. Naquele momento fiquei pensando que deveria ter ligado para ela, “mãe, te amo, obrigado!”. Esse áudio me ensinou muito.
Marcelo D2 — Um Punhado de Bamba
- Neste sábado (8), a partir das 21h, no Auditório Araújo Vianna (Parque Farroupilha, 685).
- Abertura da casa: 19h30min
- Classificação: 18 anos.
- Ingressos: a partir de R$ 65 (solidário lote 2, mediante doação de 1kg de alimento não perecível). Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante RBS.
- Ponto de venda com taxa: pelo site da Sympla.
- Ponto de venda sem taxa: Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611), das 10h às 22h, e bilheteria do Araújo (abre duas horas antes do show).