Idealizado por Luiz Carlos Borges, em 1983, o Musicanto completa quatro décadas de existência em 2023 — que ainda tem o peso de ser o ano em que o cantor nativista fundador do projeto morreu. Porém, o festival, programado para ser realizado entre 16 e 18 de novembro, em Santa Rosa, poderá não ocorrer, uma vez que não foi contemplado pelos recursos da Lei de Incentivo à Cultura (LIC).
O mecanismo de apoio à produção de manifestações artísticas e culturais ocorre em parceria com a iniciativa privada por meio de isenção fiscal para as empresas participantes. Dentro deste cenário, os organizadores do evento, que tem como presidente Gerson Lauermann, pediram um montante que gira em torno de R$ 600 mil. A verba, porém, não foi alcançada, mesmo com o festival cumprindo os requisitos objetivos da seleção, que ocorre por meio do preenchimento de uma tabela.
Lauermann contou que o projeto foi apresentado duas vezes. Na primeira, no final do ano passado, não atingiu a pontuação necessária. Já na última, em maio, conquistou a avaliação máxima, mas perdeu em um dos critérios de desempate — "projeto com local de realização em município que menos recebeu recursos da LIC nos últimos 12 meses".
O presidente do festival apontou, então, que é neste ponto em que os projetos de grande relevância para o Estado estão sendo prejudicados, uma vez que eles ocorrem em cidades que receberam mais recursos da LIC no último ano.
— No meu ponto de vista, não está correto este critério. Deveria ser observado os outros aspectos, como arrecadação e proporcionalidade de população. O critério objetivo do Conselho Estadual da Cultura é muito questionável, porque cultura não é objetiva, a cultura é subjetiva — afirma Lauermann. — Como o Musicanto ainda cobra ingresso, por ser realizado em um espaço com público limitado, também fomos prejudicados. A LIC está cortando recursos de espaços que cobram ingresso.
Tal mudança ocorreu por conta do aumento da demanda de pedidos, após o governo do Estado duplicar os recursos para a LIC a partir de 2019, passando de R$ 35 milhões para R$ 70 milhões o valor anual disponibilizado.
A LIC tem um sistema de seleção que envolve dois entes: o CEC e a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac). A pasta estadual estabelece as regras, prazos de inscrição, plataforma e os tetos por linha de projeto. Já o conselho é o responsável por criar um ranking, que somará valores até o limite estabelecido pela Sedac.
Tentativa
A presidente do CEC, Consuelo Vallandro, afirma que a tabela que está garantindo nota máxima para uma grande quantidade de projetos foi criada ainda na última gestão e mantida por ser celebrada pela Sedac por conta de sua objetividade. Porém, o que ninguém previa, segundo a responsável pelo conselho, é que haveria um número tão grande de pedidos e, mais do que isso, que estes, ao não atingirem a nota máxima, entrariam na rodada seguinte, corrigindo os pontos deficitários.
Desta forma, com boa parte dos solicitantes "gabaritando" a tabela, que é numérica, o critério de desempate acabou sendo o do município que menos recebeu recursos da LIC nos últimos 12 meses, que ganhou um peso muito maior do que deveria.
O secretário do CEC, Álvaro Santi, por exemplo, aponta o número recorde de inscrições de julho do ano passado para cá: de uma média na década passada que girava entre 350 e 450 pedidos, houve um salto para 1.145. E, por isso, a tabela objetiva foi criada, para dar vazão aos projetos.
— O recurso aumentou, mas não foi suficiente. Para esta última rodada, dos projetos inscritos durante o mês de maio, o governo disponibilizou R$ 4 milhões. Este valor foi suficiente para 12 projetos e nós tivemos 110 inscritos. Então, quase cem projetos estão na mesma situação do Musicanto — ressalta Santi.
Neste ano, o governo do Estado já realizou quatro rodadas de distribuição de recursos da LIC: em março, abril, maio e junho, distribuindo R$ 4 milhões em cada uma delas — em janeiro, houve uma para contemplar os pedidos que ficaram represados em 2022, já pegando a verba de 2023. Um efeito cascata.
Agora, haverá uma outra rodada em agosto para projetos inscritos até o final de julho, sendo a última do ano. Desta vez, serão entregues R$ 20 milhões e, após, haverá uma interrupção nas inscrições, retornando apenas em 1º de fevereiro de 2024, já com novas regras, que serão discutidas.
De acordo com Santi, uma nova tabela está sendo elaborada e, depois da pausa, haverá a implementação mais criteriosa, tirando, assim, o peso da questão dos municípios.
Porém, para tentar contemplar os projetos que foram inscritos em maio, analisados em junho e que tiveram nota máxima, como o Musicanto, Consuelo está em busca de alternativas. A primeira é uma suplementação junto à Casa Civil, para conquistar os R$ 11 milhões que faltaram para contemplar os projetos que obtiveram nota máxima na rodada de junho. Caso não ocorra, a presidente ainda considera pegar um pouco da verba da próxima rodada, para projetos inscritos entre junho e julho, e distribuir para os submetidos em maio.
— A demanda quadruplicou. E aí o que está acontecendo é que projetos que antes tinham realmente uma tradição de ganhar estão caindo fora, não apenas pelos critérios de desempate, mas pela situação de agora. Tem pouco dinheiro para muito projeto — explica a presidente, que analisa as possibilidades.
Ela ainda avalia que pegar parte da verba do próximo lote poderá ser uma possibilidade viável, mas pondera:
— O problema é que pode faltar para os projetos inscritos até 31 de julho. Mas, até agora, temos apenas 79 inscritos, ou seja, bem menos que o recorde de maio e com um valor bem maior disponível.
Estes detalhes serão decididos em um plenário do CEC que será realizado nesta sexta-feira (14), a partir das 9h30min, e transmitido ao vivo no canal do YouTube do conselho.
Possibilidades
Para Lauermann, presidente do Musicanto, se Consuelo conseguir viabilizar estes recursos, o festival ocorre normalmente na data prevista.
Caso não, ele tentará emplacar o evento durante a Fenasoja, no ano que vem, pois sem os recursos da LIC é impossível seguir com a ideia inicial, avalia.