Com uma importância incontestável para a música gaúcha, Luiz Carlos Borges revolucionou ao compor canções originais e complexas e ao tocar o acordeom com aptidão. O gaiteiro, que morreu nesta quarta-feira (10), aos 70 anos, influenciou outros músicos e gerações que o sucederam e impressionou por seu jeito versátil e próprio de tocar, sempre dialogando com outros estilos.
Símbolo do nativismo, Borges foi um dos melhores gaiteiros que o Estado já viu. O reconhecimento vem do renomado colega de profissão Renato Borghetti. Porém, ainda que o acordeom fosse seu instrumento principal, Borges era um instrumentista de exceção, "realmente diferenciado", pois tocava qualquer instrumento.
— Um exímio tocador (de acordeom). Eu acho que qualquer música que se escute dele vai ser uma inovação, por sua forma de tocar muito particular e moderna para o instrumento. Mas essa era apenas uma de suas virtudes. Ele era completo: compunha, cantava, tocava violão, gaita — avalia o músico.
Uma das principais características do acordeonista era sua originalidade, sobretudo nas composições. Para a gaiteira Bruna Scopel, apenas o fato de compor as músicas que apresentava já é um traço de excelência, visto que nem todo gaiteiro ou músico é também compositor.
— É muito fácil pegar músicas dos outros e tocar. Outra coisa é você compor melodias incríveis, os chamamés, Baile de Fronteira, De Véio Pra Véio. O repertório dele está dentro do repertório de todos os gaiteiros gaúchos, duvido que tenha um que não toque (suas músicas) — afirma Bruna.
Além disso, a maestria em suas composições não serve apenas para apreciação, mas para treinar habilidades. São canções de técnicas e níveis mais avançados, com melodias que não são fáceis de tocar e exigem estudo, conforme a artista. O nativista utilizava música erudita, canções com notas dissonantes, entre outros elementos, o que é pouco comum na música gaúcha.
— Ele trouxe esse estilo, músicas um pouco mais sofisticadas do que o normal. As músicas de baile geralmente são mais simples, mas as dele, não. Passeavam um pouco mais no campo harmônico, com um dedilhado diferente. Ele trouxe muita inovação para a música da época dele e até hoje — complementa a artista, que toca músicas nativistas e fandangueiras.
Portanto, não é qualquer gaiteiro que aprende suas canções e as executam. Para Diego Dias, integrante da banda de rock Vera Loca e gaiteiro e líder do grupo Beatles no Acordeon, era com seu estilo característico e acordes rebuscados que Borges deixava a música gaudéria mais harmônica e musicalmente rica.
Além do regionalismo
Borges sempre dizia que podia alçar voo, mas era preciso saber onde pousar, conta Borghetti. O trabalho que se propunha a desenvolver era na música regional, mas sempre esteve aberto a diferentes estilos: rock, música clássica, latino-americana — sendo, talvez, o artista que mais transitou na América Latina tocando com parceiros de diferentes nacionalidades, segundo o amigo —, entre outros.
Assim, agregou uma versatilidade ao seu estilo de tocar que ia muito além do regionalismo. O gaiteiro era unânime no meio musical gaúcho, destaca Dias. Em 2019, Borges participou de seu projeto de rock no acordeom e o impressionou com sua capacidade de adaptação aos mais diversos ambientes.
— Ele era um cara muito aberto, tocou uma música dele e uma dos Beatles, muito bem. Ele circulava muito bem por todos os cenários e estilos. Às vezes, até com jazz — ressalta o músico.
Humberto Gessinger, Nenhum de Nós e Nei Van Soria são alguns dos roqueiros gaúchos com quem o gaiteiro trocou experiências musicais. Borges foi um agregador, capaz de articular também encontros nunca antes imaginados.
— Era um cara muito moderno, com a cabeça sempre mais adiante. Uma figura incrível — elogia Borghetti.
Contudo, o principal, para Dias, é a generosidade de Borges, com a qual estava sempre incentivando músicos mais novos e tentando ajudar os colegas a chegar mais longe. Com artistas que já tinham mais experiência, não fazia julgamentos e sempre apreciava ou tentava acrescentar de alguma forma, lembra o colega.
— Ele sempre elogiou muito a ideia de tocar rock na gaita, valorizou muito. Com ele, eu tinha a certeza de que seria bem recebido, por essa mente aberta dele — reconhece.
Atemporal
Com sua genialidade, Borges influenciou colegas e novas gerações. Borghetti relata que, no projeto que conduz com crianças, o amigo é uma das maiores inspirações dos pequenos. Além disso, sua influência passa, justamente, por sua capacidade de agregar pessoas e estilos, abrindo as portas para intercâmbios na música gaúcha, que costumava ser mais fechada, acrescenta Dias.
Sua obra — parte do grande legado deixado pelo artista — pode, quem sabe, ajudar a amenizar a dor de sua perda. Borges deixa composições, músicas e harmonias "maravilhosas" e "superelaboradas", pois era cuidadoso e perfeccionista, conforme Borghetti.
— A música dele é atemporal, vai poder ser exercitada em qualquer período e em qualquer lugar. É regional, mas de vanguarda. É um exemplo legal para a nova geração, deixar a sua obra sempre sendo revisitada — destaca o amigo.
Mais do que isso, Borges conseguia ser uma pessoa grandiosa e, ao mesmo tempo, simples, na visão de Bruna.
— Agora é a gente escutar para matar a saudade e aprender com todo o material que ele deixou. Porque morre o artista, mas a história vai ficar eternizada — destaca a gaiteira.