O tradicionalismo gaúcho está em luto nesta quarta-feira (10) com a morte do músico nativista Luiz Carlos Borges, aos 70 anos. O cantor, compositor e instrumentista, que sofria com problemas de aneurisma de aorta, estava internado desde o dia 29 de março no Hospital São Francisco, em Porto Alegre, e partiu estando rodeado dos familiares.
No ano passado, ele foi um dos convidados para falar de Merceditas no Ao Pé da Letra, série especial que GZH produziu sobre músicas emblemáticas do cancioneiro regionalista gaúcho.
A canção foi composta pelo músico Ramón Sixto Ríos (1913-1995), em 1940, e se tornaria uma das canções mais famosas do folclore argentino. A inspiração para a música surgiu um ano antes, quando ele foi se apresentar em Humboldt, na província de Santa Fé, centro-leste do país. Por lá, Ríos conheceu Mercedes Strickler Khalov (1916-2001), filha de imigrantes alemães, e a convidou para dançar tango.
Ríos ficou encantado pela moça, mas precisou seguir viagem e voltar para Buenos Aires. Os dois passaram a trocar correspondência diariamente. Em 1941, Ríos foi até Humboldt com duas alianças no bolso e cheio de esperança no peito. Mas Mercedes recusou o pedido de casamento. Ainda assim, as cartinhas continuaram até 1945, quando a musa da canção parou de responder. Iludido, ele seguiu tentando contato, até que um dia percebeu que seu amor não era correspondido. Parou de escrever. Ríos se casaria com outra mulher, que morreria dois anos após o matrimônio.
Nos anos 1980, uma revista argentina publicou uma reportagem trazendo uma entrevista com Mercedes. Algo se reacendeu em Ríos, que convidou a antiga musa para ir até Buenos Aires. Ainda apaixonado, o músico novamente a pediu em casamento. E mais uma vez ouviu um “não”.
Os dois mantiveram contato até a morte de Ríos, em 1995. Um de seus últimos atos foi passar os direitos de Merceditas para a musa inspiradora. Seus bens também foram herdados por ela. Mercedes morreria alguns anos depois, vivendo ainda na casa de seus pais, sem nunca ter se casado.
Luiz Carlos Borges contou que teve a oportunidade de conversar com a própria Mercedes, pouco antes dela morrer. Segundo o músico, ele estava participando de um programa de uma rádio de Paraná, capital da província de Entre Ríos e vizinha de Santa Fé, acompanhado de Raúl Barboza. Até que tocou o telefone e o locutor atendeu. Era Mercedes, uma ouvinte assídua. O apresentador, lembra Borges, comentou que ela ligava diariamente para pedir chamamés. Intrigado, Barboza perguntou se a Mercedes era aquela Merceditas. Sim, era a musa de Don Ramón, teria respondido o locutor. Borges descreve ter sentido um arrepio e relata que conversou com ela por cerca de 15 minutos.
— Contei para ela que eu tinha começado a cantar Merceditas com nove anos — recorda. — É uma música que também me acompanha, que está na minha caminhada musical. É uma canção que tem muito fôlego, ainda vai render muito por aí.