Há um vazio inquietante no Estúdio Tec Áudio, na zona norte de Porto Alegre, quando a banda Os Blackbagual se reúne para ensaiar. Um estranhamento toma conta de Marcelo Corsetti (guitarra), Luke Faro (bateria) e Rodrigo Rheinheimer (contrabaixo e vocais). O baterista, então, rompe o silêncio:
— Tenho a impressão de que o Bebeto vai abrir a porta e entrar aqui.
Ao que Rodrigo imita o ex-companheiro de grupo, que vinha de São Leopoldo, com suas reclamações rotineiras:
— "A BR hoje tava f***!". "O trem tava lotado!".
A ausência sentida pelo trio no estúdio é a de Bebeto Alves, que partiu no dia 7 de novembro de 2022, logo após completar 68 anos. Juntos, eles gravaram cinco álbuns em quase duas décadas e tocaram por muitos pagos afora. Nesta quarta-feira (19), Os Blackbagual irão celebrar a obra do companheiro.
A partir das 20h, o grupo sobe ao palco do Theatro São Pedro, em Porto Alegre, para apresentar o espetáculo Pela Última Vez, que também dá nome ao último álbum lançado pelos Blackbagual, em 2020 (veja detalhes sobre ingressos ao final do texto). Será uma noite para homenagear um dos maiores nomes da história da música popular gaúcha. Será uma noite para reverenciar um amigo.
A apresentação contará com participações de artistas que influenciaram ou foram influenciados pela música de Bebeto, além de companheiros de longa data. O espetáculo terá Shana Müller, Duca Leindecker, Flavio Adonis, Gelson Oliveira, Humberto Gessinger, Igor Conrad, Mauro Moraes, Nelson Coelho de Castro, Neto Fagundes, Rodrigo Fishman, Thiago Ferraz, Veco Marques e Vitor Ramil.
Bebeto tinha o desejo de fazer um show de despedida, algo que ele compartilhou com Corsetti quando retornou de uma das sessões de quimioterapia — o músico enfrentava um câncer de pulmão, até por isso toda a renda do evento será destinada à Associação De Peito Aberto, que auxilia crianças com problemas pulmonares e de asma.
Após a partida do amigo, os três sentiam a necessidade fazer alguma coisa. Fechar aquele ciclo. O show desta quarta é descrito pelo trio como um desfile de amigos e parceiros pela obra de Bebeto. O critério foi escolher músicas que têm a ver com a formação da Blackbagual, que o grupo já vinha tocando antes.
— Com certeza fomos injustos com algumas músicas e com muitas pessoas — diverte-se Corsetti.
— Se fosse convidar todo mundo e tocar de tudo, essa homenagem viraria kerb (risos) — completa Rodrigo.
Banda definitiva
Contando com integrantes do projeto Xquinas, de Corsetti, Os Blackbagual foram formados em 2004 para gravar com Bebeto o disco Blackbagualnegovéio. O álbum foi um marco na trajetória do artista, que o classificou como o momento em que conseguiu elaborar com precisão a música que sempre sonhou fazer, descrevendo-o como uma mistura de tudo que já tinha ouvido e produzido..
— Chegamos juntos a algo muito legal, nessa busca dele pela milonga "dedo no olho" — resume Corsetti.
Blackbagual seria a banda definitiva para Bebeto, que trabalharia com o grupo sua musicalidade conhecida pela junção de elementos do regionalismo gaúcho e do Prata — milonga, xote e chacarera — com sonoridades advindas de todo o globo, como rock, pop, funk, reggae, tango, bolero, entre outros. Aliás, ele era um compositor prolífico e incansável, como lembram seus colegas de banda.
— Bebeto não parava de produzir nunca. Às vezes, recém terminávamos um disco, e aí ele anunciava: "Pessoal, tenho mais 10 canções para gravar…". A gente falava: "Calma, peraí" (risos) — lembra Luke.
Antes de tocar com Bebeto, os três já admiravam a obra do músico havia décadas. Rodrigo afirma que o companheiro de Blackbagual fez parte das primeiras memórias musicais de cada um.
— Lembro que quando era moleque vi show do Bebeto, de violão e voz, e pensei: "Meu, que cara loucão". Ele tinha um cabelão e usava pedal chorus no violão (um tipo de efeito que altera o som do instrumento) — recorda Rodrigo. — Daqui a pouco, o cara é teu parceiro de banda. Os astros se alinharam muito forte para nos proporcionar esses 20 anos de estrada com Bebeto.
— Eu ouvia o Pegadas (disco de 1987), daqui a pouco estava no palco tocando Pegadas com o artista que o criou — reflete Luke.
— Assisti ao lançamento do Pegadas em 1987, e quando cheguei em casa comecei a tocar. Não tocava profissionalmente ainda, mas fiz um arranjo. Eu dizia que teria uma banda para tocar esse arranjo. Depois, tive o cara ideal para isso — relata Corsetti. — Fomos abençoados pelos astros por estarmos juntos esse tempo todo. A gente aproveitou do início ao fim.
Os três não cravam que a apresentação desta quarta será a última de Os Blackbagual. Porém, no momento, eles não veem mais sentido em realizar outra sem o antigo companheiro.
— Esse é o show que a gente não queria fazer — diz Corsetti. — Mas é essencial que seja feito, pois todas as homenagens são necessárias e justas. Como diria Nelson Coelho de Castro, não se pode deixar o Bebeto cair num hiato.
Rodrigo complementa:
— Bebeto vai "aparecer" por lá.
Quem sabe, abrindo a porta do teatro e reclamando do trajeto.
Os Blackbagual — Pela Última Vez
- Nesta quarta-feira (19), às 20h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº – Centro Histórico), em Porto Alegre.
- Ingressos: a partir de R$ 80 pelo site do Theatro São Pedro e na bilheteria do local.