Chegou o momento de vestir aquela peita chave, meter o pisante de respeito no pé e sair de casa erguendo a mão para o alto, despejando rimas. Isto porque a maior edição do Rap in Cena será realizada neste fim de semana. A expectativa é de que o evento receba, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Harmonia, entre 13 mil e 15 mil pessoas em cada um de seus dois dias realização — no sábado (15), às 10h, e no domingo (16), a partir das 11h. Ainda há ingressos disponíveis no Sympla.
Para efeito de comparação, na última edição do festival, em 2019, foram 7 mil espectadores no Pepsi On Stage. O motivo de atrair tanta gente para o evento são as mais de 60 atrações que se dividirão entre os três palcos do festival — o World, o Hatz/Bronx e o Grillz. Entre os artistas presentes, o Rap in Cena contará com nomes nacionais, como Racionais MC's, Djonga, Cynthia Luz, Filipe Ret, Matuê, L7nnon, Flora Matos e MV Bill. Além, é claro, dos rappers da cena local, como Rafuagi, Da Guedes e Cristal.
Aos 29 anos, Keni Martins é o idealizador do projeto, que nasceu em 2014, em um dia de shows no Império da Zona Norte. De lá para cá, apesar do produtor ouvir muitos conselhos como "larga o rap, ele só rapa o teu bolso", o Rap in Cena foi evoluindo, até chegar a ocupar um palco totalmente dedicado ao evento no Planeta Atlântida, em 2020. Agora, com a expectativa de levar até 30 mil pessoas para dentro do festival, a ansiedade está nas alturas.
— Para nós, é um momento histórico, principalmente aqui no sul do país, fazendo com que todo mundo aqui possa acreditar que a gente não tem limitações, como as que foram impostas por muito tempo, com a dominância sempre do eixo Rio-São Paulo. Estamos mostrando que também temos essa capacidade de realizar grandes eventos e profissionais tão qualificados quanto, além de ótimos artistas. A gente não precisa ir para outro lugar para realizar isso, pode ser aqui onde é nosso quintal, nossa casa — comemora Keni.
O evento, porém, não ficará restrito aos shows. O festival contará, ainda, com ativações do Museu do Hip Hop, da Casa de Cultura do Hip Hop, batalha de breaking, batalha de freestyle, pista de skate, quadra de basquete, slam, entre outras atividades. Tudo isso para que a experiência imersiva na cultura hip hop seja completa. Há, também, o protagonismo LGBT+ e negro no palco Bronx, coletivo porto-alegrense que busca a reflexão sobre a negritude e a representatividade.
Além disso, um dos principais pedidos da organização do evento foi que o público optasse pela compra de ingressos solidários, que traz desconto para quem doar cinco quilos de alimentos — com isso, a expectativa é de arrecadar cem toneladas de comida, que serão organizadas e entregues ao programa Hip Hop Alimentação, promovido pela Associação da Cultura Hip Hop de Esteio, liderada por Rafa Rafuagi.
— Essa parte social faz parte do nosso DNA. Eu, como criador do festival que vem da periferia, sei das dificuldades que a galera passa, quantas vezes as pessoas não têm um prato de comida para comer. A gente sabe o quanto isso é angustiante e triste. Então, por isso, a gente batalha para que as pessoas possam curtir de forma consciente e que ainda possam ajudar o próximo, porque o movimento hip hop é isso: esse coletivo, essa união, é ter empatia. Isso é o que nos torna gigantes dentro da cena — pontua o idealizador do Rap in Cena.
Expectativa
Fãs e artistas que estarão no Rap in Cena compartilham do mesmo sentimento: a ansiedade pelo evento. MV Bill, por exemplo, que estará no palco World ao lado de Kmilla CDD, acredita que será uma grande oportunidade para apresentar os seus novos sons, mas, também, recordar os clássicos.
— A expectativa é enorme, porque a gente sabe da grandiosidade do evento — diz MV Bill.
Já Kmilla CDD afirma ser uma satisfação enorme estar voltando a Porto Alegre e deu spoilers de sua apresentação:
— O que o público pode esperar é muito rap, muito boom rap, muito trap, muita alegria, muita informação. Vamos fazer um repertório bem bacana para geral.
Boombeat, da Quebrada Queer, comemora a primeira vinda do grupo para a capital gaúcha e, com isso, poder encontrar com os fãs que pedem pelo show há tempos:
— Estamos contentes com o convite do Rap in Cena. Vamos apresentar um show com bastante diversidade, com muito rap, muita música militante para dançar, pois gostamos de colocar o dedo na ferida.
Os fãs, por sua vez, estão se deslocando de todo o Estado — e até de fora dele — para curtir o evento em Porto Alegre. Maria Montovani, vendedora e estudante de Direito de 19 anos, vai sair de Florianópolis, em Santa Catarina. Para ela, a distância não será um problema:
— Vai valer muito a pena. Tenho certeza de que, apesar da correria, vai ser um momento que vou levar para sempre no meu coração e irei voltar para casa muito feliz.
Estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Giulia Victória Borges, 22 anos, conta que é fã das gêmeas Tasha e Tracie, motivo pelo qual comprou os ingressos, mas também está ansiosa para ver Racionais MC's e MV Bill no palco:
— Fazem parte da minha cultura e só depois de 22 anos vou conseguir curtir um show deles. Isso é importante demais.
Keni Martins, por sua vez, comemora que o movimento tenha tomado tal proporção, conquistando fãs e artistas, gerando expectativa para um evento que exalta a cultura hip hop dentro do Rio Grande do Sul.
— Os nossos desafios aqui são muito maiores, porque a gente já vem de um Estado que é extremamente racista, que marginaliza a nossa cultura. Estamos conseguindo desconstruir isso, com o nosso gênero dominando o mundo inteiro. A importância disso é gigantesca —pontua Keni, que adianta que o Rap in Cena do ano que vem já está sendo idealizado e que deverá ser ainda maior.