Em escalas diferentes, pelo menos três reveses marcaram a vida da cantora gaúcha Mell Peck, 30 anos. Um envolvendo um instrumento musical, o segundo um programa de TV e o terceiro um conflito nacionalista. O primeiro, mais pueril, foi na infância. O pai, músico em Sapucaia do Sul, escondia o violão para que a menina não o alcançasse.
— Meu pai tocava e não deixava pegar. Por ser criança, achava que eu ia estragar o violão — lembra Mell, aos risos.
Um dia, ela cresceu e conseguiu alcançar o instrumento mal-escondido. O pai, que amava a música, se rendeu à curiosidade da pequena e a deixou começar a tocar por volta dos sete anos. Ele ensinou três notas e disse que, com isso, ela já seria capaz de executar uma canção.
Aos 14 anos, Mellisa Peck Castello Branco já tinha um grupo de amigos músicos. Aos 15 anos, começou a tocar e cantar em um circuito de bares da Região Metropolitana, que ia de Porto Alegre a Novo Hamburgo, construindo a carreira de cantora da noite, com covers que passavam por Engenheiros do Hawaii, Roberta Campos, Pitty e Linkin Park.
Com a experiência dos palcos dos bares, Mell Peck reuniu a coragem para participar de um programa novo na TV, chamado The Voice Brasil. Aos 20 anos, atingia o seu maior público, mas ficou pelo caminho em uma das etapas da primeira temporada da atração. Em 2012, Lulu Santos a consolou:
— Você tem a vida e carreira pela frente — disse o artista, em meio a lágrimas de Mell.
O terceiro revés que marcou de vez a vida da gaúcha envolveu uma guerra que não era sua. Era o conflito entre as católicos e protestantes na Irlanda, conhecido como The Troubles, que impactou uma geração de artistas, do cinema à música, durante cerca de 30 anos.
A morte de dois meninos em um atentado decorrente da guerra inspirou a banda irlandesa The Cranberries a compor uma de suas músicas mais famosas, Zombie, do segundo álbum No Need to Argue (1994). A letra carregada de significados políticos ("eles estão lutando com seus tanques e suas bombas") associada ao vocal marcante de Dolores O'Riordan alcançou milhões de pessoas mundo afora.
Uma dessas pessoas foi a gaúcha Mell Peck, que gravou a sua versão de Zombie, alcançando hoje 38 milhões de visualizações no YouTube. Em um trajeto inesperado, a música que havia saído da República da Irlanda foi até Sapucaia do Sul e regressou à Irlanda, chegando nos ouvidos e olhos de Noel Hogan, nada mais nada menos que o guitarrista e um dos fundadores do The Cranberries.
— Eu ficava recebendo mensagens nas redes sociais o tempo todo. De pessoas dizem "oh, você deveria conferir esse cantor ou aquela cantora". Aconteceu que, uma das vezes, eu olhei e era o vídeo de Mell — explica Noel, em conversa com a Rádio Gaúcha.
Noel, assim como o pai de Mell Peck, se rendeu e passou acompanhar a cantora virtualmente. Ela descobriu tempos mais tarde que o compositor irlandês a seguia no Instagram, dando origem a uma amizade.
Não tardou para Noel fazer um convite à gaúcha para formarem um projeto, batizado The Puro, interesse ampliado pelo fato de o guitarrista já vir trabalhando de forma solitária em algumas músicas.
— Eu pensei que Mell poderia cantar o estilo de música que eu escrevi — diz ele.
Mell Peck já esteve duas vezes na Irlanda para estreitar o trabalho com Noel Hogan. Em meio à pandemia, os encontros virtuais foram facilitados por ferramentas de gravação a distância, que deram origem a dois singles do The Puro: a versão em dois idiomas Prisão/Prison e a canção Com Chaves. O terceiro single Goodbye tem previsão de lançamento no próximo dia 19 de agosto.
O próximo passo são os shows. Ainda sem datas confirmadas, Noel chega ao Brasil em meados de outubro com a expectativa de, finalmente, fazer o debut do The Puro ao vivo.