Era uma voz do tamanho do planeta que saía da boca daquela cantora de 1,53 m. Era técnica, era coração. Para muita gente, a maior cantora do Brasil. Cria do bairro IAPI, de Porto Alegre, Elis Regina partiu aos 36 anos em 19 de janeiro de 1982.
Muitas de suas virtudes ainda servem de referência para gerações posteriores de artistas, tanto pelo que apresentava no palco quanto pelo profissionalismo com que encarava a carreira. Para a jornalista e escritora Regina Echeverria, autora da biografia Furacão Elis, a pimentinha é um padrão de excelência até hoje, que transparecia muita emoção em suas performances, levando a sério as palavras do poema musicado.
— Outro dia, ouvi alguém falar: "Não sou uma Elis Regina, mas eu canto também". Vai ser muito difícil aparecer uma outra cantora como ela, juntando tantas qualidades — afirma Regina. — Uma voz cristalina do jeito que ela tinha, firme e popular. Ao mesmo tempo, com muita técnica. Não mastigava palavras, tinha uma dicção perfeita.
A seguir, cantoras gaúchas de diferentes estilos comentam as características que fazem de Lilica uma artista tão especial, servindo de influência há décadas. Afinal, Elis pode ter partido há 40 anos, mas ainda vive.
Adriana Calcanhotto
"A minha mãe talvez tenha sido ou talvez ainda seja a maior fã de Elis Regina. Quando ela estava grávida, parava tudo o que estivesse fazendo para assistir a Elis na televisão. Ela tem certeza que eu estava assistindo junto (risos). Então começa aí, antes de eu nascer. Essa super admiração da minha mãe pela Elis me fez chegar à obra dela muito cedo. Ela é minha referência no início do meu canto. Ela me influenciou muito na coisa da relação com o repertório. De ser uma coisa que tem que ser de verdade, que tem que ter uma relação. Toda essa questão sobre técnica e emoção, eu acho que, no caso da Elis, ela transbordava tanto técnica quanto emoção. É uma cantora completa, uma cantora perfeita, não é isso?"
Valéria Barcellos
"Era uma cantora de persistência, com vontade de existir. Ela cantava com tanta emoção e propriedade, que a gente pensava que a canção era dela. Tinha a capacidade de fazer com que a música se misturasse com a vida. A canção virava a cantora, a cantora virava a canção, tudo era uma coisa só. Ela influenciou diretamente minha trajetória musical, pela vontade de ir e fazer as coisas. E também por ter um jeito único de cantar, que é uma busca de todas as cantoras até hoje: desenvolver-se, ter seu próprio jeito, ter sua própria cara quando vai cantar".
Maria Luiza
"Era uma cantora completa, desde a técnica vocal, que é muito impecável, mas com um grau super elevado de emoção. Parece que vivia a personagem que estava interpretando. Entrava naquele mundo e contava a história do jeito dela. Além disso, enquanto profissional, tinha muita força, muito sangue no olho, muita determinação. Foi o que me fez estudá-la no meu TCC (trabalho de conclusão de curso) de Publicidade, pensando como é que ela conseguiu chegar aonde chegou. Dá para ver na trajetória dela que não foi sorte, foi muito suor e muita vontade de chegar num lugar melhor como profissional. Eu enxergo que a Elis viveu para a carreira dela, viveu pra música, e se entregou do início ao fim."
Camila Lopez (Tributo Elis Regina)
"A primeira e mais importante das virtudes de uma cantora na minha opinião é a habilidade de interpretar o texto. Não só a habilidade isolada, mas sim a capacidade de escolher muito bem a temática para abordar e transmitir com essa interpretação. Se começar a fazer as coisas por essa premissa, a verdade grita alto junto de uma apresentação. Ainda que nem todos gostem de 'verdades', quando ela vem, não passa despercebida. Elis era mestra no assunto. Para mim, a maior das especialidades dela era isso. A transmissão da verdade em cada interpretação. Para mim, a maior técnica de um cantor e cantora é a consciência do ensaio. Se perguntar para qualquer pessoa que conviveu com ela, vão saber que ela ensaiava exaustivamente. Trazendo para a minha realidade, no começo, ao cantar Como Nosso Pais, por exemplo, eu acabava a música com as costelas doendo, de tanta força. Hoje, nem sinto mais, pois já encontrei cada canto da voz, cada movimento do corpo que facilita pra voz, enfim, é ensaio. Quando me perguntam eu digo: é ensaio. Somente com muito ensaio, que é possível despreocupar na hora de cantar… e despreocupando, a emoção vem e preenche o resto. Para mim não tem erro. A técnica da Elis era a consciência do ensaio. E esse é o maior aprendizado que tive que com ela".
Bibiana Petek
"O que eu mais amo no trabalho da Elis é o repertório. Uma cantora que gravou de tudo: rock, bolero, samba, canções em espanhol. De álbuns com orquestração à viola caipira. Escutava os compositores, se dedicava e se apropriava com naturalidade das músicas que interpretou. Havia verdade no que ela fazia. Além de irreverente, era uma artista que respeitava as suas próprias vontades, gravava e lutava pelas canções que queria. E tudo que é de verdade é eterno".
Tati Portella
"Elis Regina foi minha maior referência desde a infância escutando os discos de vinil na sala de casa. Sou fã de carteirinha, amor que herdei de minha mãe. Tenho discos, CDs, entrevistas de jornais. A minha cantora favorita. Elis não poupava emoção, cada canção era única, com uma interpretação visceral arrebatadora. A sua escolha criteriosa do repertório, de não gostar do óbvio, de se reinventar o tempo todo sempre me fascinou."