Alcione não deixa o samba morrer há praticamente meio século. Desde seu primeiro compacto, Figa de Guiné (1972), a cantora nascida em São Luís do Maranhão tem levado o estilo para palcos de todo o território nacional e servido de referência no gênero e para a música brasileira. Sempre ativa, a Marrom tem nova apresentação marcada em Porto Alegre para esta quinta-feira (16), no Auditório Araújo Vianna.
A passagem pela capital gaúcha faz parte da turnê que divulga o álbum mais recente de inéditas, Tijolo por Tijolo (2020), o 42º da carreira — os três compactos iniciais não entram nessa conta. Porém, o show deve incluir também sucessos como Gostoso Veneno, A Loba, Meu Ébano, Você Me Vira a Cabeça e a clássica Não Deixe o Samba Morrer. Esta última, que tem autoria de Aloísio e Edson Conceição, foi apontada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) no começo de dezembro como a faixa com a palavra samba no título mais tocada no país nos últimos cinco anos, considerando os principais segmentos de execução pública.
— Não Deixe o Samba Morrer é um presente divino, a música que construiu minha vida, logo no meu primeiro LP de estreia no mercado fonográfico. Fiquei 22 semanas em primeiro lugar nas paradas de sucesso. Abracei o samba e o samba me abraçou. Soube chegar mansa, com retidão e respeito — avalia, em entrevista por e-mail.
Na última terça-feira (14), Alcione recebeu uma homenagem online da PUCRS, em meio aos 73 anos de atividade da instituição. Em cerimônia transmitida pelo canal da Universidade no YouTube, a cantora recordou momentos importantes da própria trajetória em conversa com Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura da PUCRS, e recebeu honraria do reitor, Ir. Evilázio Teixeira. A universidade destaca que "Alcione é conhecida no mundo todo como uma das maiores intérpretes da música popular brasileira, sendo uma das grandes referências da nossa cultura, sobretudo, por sua história com o samba".
— Depois dessa homenagem, não sou mais uma qualquer! O Rio Grande do Sul tem uma importância especial na minha vida, foi onde recebi meu primeiro prêmio! Amo estar nessa terra — confessa Alcione.
Reconhecimento
Com um trajetória de sucesso que inclui 26 discos de ouro, sete de platina, além de condecorações (como Ordem do Rio Branco, a mais alta comenda do Brasil) e um Grammy na categoria Melhor Álbum de Samba em 2003, Alcione diz que se sente agraciada de poder viver da música.
— Desde que sai do Maranhão, em busca do sonho de cantar, sabia que conquistaria um lugar no coração do povo do Brasil, só não sabia que seria tão forte assim. É uma honra poder viver do meu canto, poder levar bons sentimentos e sensações através da minha voz. É coisa de Deus! — confessa Marrom.
Ela conta, ainda, o jeito inusitado como descobriu a força de sua voz:
— Meu primeiro fã foi nosso vizinho no Maranhão, Fernando, um português que me pedia para cantar fado. E eu mandava: "Ao ver passar por mim, pombinhas brancas, eu sinto saudade do meu bem…" e ele pedia bis! Um dia fui acompanhar meu pai, maestro João Carlos, em um baile no Clube Lítero Maranhense. O cantor, meu primo, ficou rouco e meu irmão pediu para meu pai deixar eu cantar. O público parou de dançar e virou para o palco para me assistir, virou show. Ali, percebi que poderia viver do meu canto.
Ano passado, Alcione Dias Nazareth, nome oficial da cantora, foi tema do documentário O Samba é Primo do Jazz, dirigido por Angela Zoé. A cinebiografia mostra um pouco das referências musicais da artista, bem como sua relação com amigos e familiares. Segundo Alcione, devemos também ver sua história contada no teatro.
— Ano que vem estreará Marrom, o Musical, minha vida no teatro. Idealizado por Jô Santana, terá texto e direção do meu amigo Miguel Falabella.
Perguntada se, como diz o ditado, teve de "cortar um dobrado" para atingir o sucesso por ser mulher e negra, responde que prefere não recordar passagens preconceituosas pelas quais foi submetida:
— Mulher, negra e nordestina! Mas aprendi que porta fechada é para se bater e assim fui fazendo. Os episódios, fiz questão de deixá-los no passado, até porque respondi à altura de todos. Nunca fui de levar desaforo para casa. É preciso olhar para a juventude negra desse país com mais zelo. As mulheres continuam morrendo como mosca. Já passou da hora das autoridades do país tomarem uma atitude de verdade — desabafa Alcione.
Por essas e por outras que, como a própria Marrom gosta de dizer: Alcione não é e nunca será uma qualquer.
Serviço:
Alcione, nesta quinta-feira (16), às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Parque Farroupilha, 685). Ingressos no site sympla.com.br . Lateral em pé (direita ou esquerda): entre R$ 40 e R$ 80, Mesa bistrô: R$ 640. Demais setores esgotados.