Os Garotos de Ouro gravaram 18 álbuns de estúdio em quase 50 anos de carreira e foram responsáveis por liderar novas gerações da música tradicionalista no Rio Grande do Sul. Nesta segunda-feira (13), esta história ganha um capítulo triste, com a morte de Airton Machado, um dos fundadores da banda, com trajetória de 48 anos na música.
Ainda na adolescência, Airton iniciou a carreira tocando gaita ao lado do irmão, Ivonir, formando o duo Irmãos Machadinho, em 1963. Eles se apresentaram pela primeira vez durante um show do grupo Os Gaudérios da Querência, na igreja de Jaguari.
— Nessa época, eles chegavam a dormir na minha casa, na região de Erechim, para os bailes ali perto. Com a entrada do Bonitinho, o Juliano Trindade, eles seguiram firmes em sua proposta de fazer boa música e deu certo — lembra Gildinho, fundador do grupo Os Monarcas, um dos parceiros musicais de longa data da Garotos de Ouro, que acabou se formalizando como banda em 1976.
Com a gravação do primeiro LP, Garotos de Ouro — Canto Nativo, viabilizado graças ao patrocínio de um grande amigo, os Garotos começaram a excursionar pelo Rio Grande do Sul. Tudo isso por conta da visão empreendedora de Airton e do irmão Ivonir, que fizeram questão de comprar um micro-ônibus para o grupo assim que possível.
O grupo também teve projeção ao vencer a Coxilha Nativista em 1984, momento em que também não abriam mão de parcerias. Uma delas foi com um trio liderado pelo compositor Luiz Carlos Borges, que chegou a acompanhar a Garotos de Ouro em turnê por Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Borges lembra que a viagem foi um dos momentos mais especiais que teve com Airton. A simpatia e a animação, mesmo nas situações mais difíceis, foram vistas até quando o ônibus da banda — que levava o trio de Borges e os integrantes da Garotos — quebrou no meio do caminho.
— Ele nos levou junto no ônibus e, no caminho até os shows no Mato Grosso, ficamos no meio da estrada por umas quatro horas. Apesar da dificuldade, a gente se divertiu. Um dos integrantes conseguiu pedir ajuda e trazer um mecânico, que estava mais de 80 quilômetros longe. Deu tudo certo e o Airton sempre fazia questão de prosear com o nosso trio, que se apresentava nos intervalos dos shows. Ele mantinha a energia lá em cima, mesmo que nossa performance, que durava só meio hora, fosse só um pedaço da noite — lembra Borges.
Sucessos e conquistas
Por serem considerados um dos grandes da música gaúcha, os Garotos de Ouro foram conquistando os bailes em todo o sul do país e levando o estilo para outros Estados, até Bahia e Sergipe, segundo Borges. O primeiro grande sucesso veio com o terceiro LP, Quando o Estouro é um Estouro, de 1986, emplacando sucessos como Barraca Armada, Poupança da Gordinha e Peão Farrapo — esta última composta por Jorge Nicola Prado e Daniel Becke.
— Junto com seu irmão e os Garotos, fizeram história e foram divisores de água do fandango, estilo que é executado e referência para todos os que fazem a alegria da música — acredita César Oliveira, músico e colunista de GZH.
Na década de 1990, outros projetos tornaram a Garotos de Ouro ainda mais importante. Em 1998, o álbum Pago Sul foi um dos marcos da banda ao atingir mais de 100 mil cópias vendidas, o primeiro disco de ouro da carreira. A música Não Chora China Véia — composta originalmente por Luiz Cláudio — integra o material e é uma das mais executadas até hoje, com mais de 2 milhões de visitas no YouTube.
Dois anos depois, em janeiro de 2000, a Garotos seguiu explorando seu lado visionário ao se tornar o primeiro grupo de música gaúcha a gravar um DVD ao vivo. Em apresentação no Rodeio Internacional de Vacaria, o material foi gravado direto do palco móvel do ônibus, no pátio do evento, e rendeu uma produção que teve mais de 50 mil cópias vendidas.
— Não chegamos a tocar no palco, mas lembro do Airton anunciando meu nome durante a apresentação, dizendo que estava ali. Não lembro se saí na versão final (risos), mas lembro disso até hoje. A música deles sempre foi muito autêntica, e sou capaz de ouvir músicas deles de olhos fechados e já reconhecer que é um sucesso da Garotos de Ouro — garante Gildinho.
Em 2004, a Garotos de Ouro entrou para a história como a primeira banda de música gaúcha a se apresentar nos Estados Unidos, com duas apresentações, uma em Boston e outra em Nova Jersey. Entre outros sucessos do grupo estão No Barulho do Meu Relho, Vuco-Vuco e Me Dá Um Beijo.
Empreendedorismo
Ainda na década de 1990, a banda nativista Tchê Guri surgiu graças ao suporte de Airton. Após assistirem a uma apresentação dos irmãos Vargas em uma churrascaria de Novo Hamburgo, o líder da Garotos de Ouro puxou o vocalista Lê para conversar e ofereceu instrumentos antigos da banda. Assim, Lê e os colegas foram para Cruz Alta, a convite de Airton, receberem o suporte do artista.
— Desde o começo do Garotos, o Airton foi a frente do seu tempo, na forma de tocar, de se apresentar e na parte técnica mesmo. Aficionado por ônibus e carretas, ele sabia imaginar e executar as montagens, as viagens, que se tornaram uma marca deles. Surgimos graças a eles — destaca Lê Vargas, da Tchê Guri.
Ao longo dos 48 anos de carreira, a banda chegou a ter variações no estilo, como a chamada "Fase Calça Jeans", em 2007. Naquele momento, por influência da mídia, segundo Airton, a intenção foi explorar uma música mais próxima do sertanejo. Foram dois discos, Filhinho do Papai e o Ao Vivo.
Em um especial divulgado pela banda em 2013, Airton falava que o grande segredo do sucesso era “muito trabalho, dedicação e bênção divina, pois isso sempre fez com que, nas horas certas, as músicas de sucesso 'caíssem no nosso colo'".
— A banda que tem a música certa sempre está nas paradas de sucesso e sempre é a mais procurada para bailes, shows e eventos. Essa é a fórmula dos Garotos — disse Airton, no material de divulgação.
Nos últimos anos, apesar de algumas mudanças na formação, a Garotos de Ouro seguia na ativa. Recentemente, o trabalho de redes sociais foi potencializado pela pandemia — até chegar à live deste fim de semana, gravada em São Joaquim. Na apresentação, chamada de Bailezito em Casa, mais de 18 mil pessoas assistiram a performance transmitida ao vivo no sábado.
— Eles eram muito bons, tocavam bem mesmo e com uma força e expressão que é algo para poucos em mais de 45 anos de carreira. Dificilmente alguém ficou mais de 20 anos com o pico de onda que eles mantiveram na música regional. Eles buscavam abrir a porteira para fora e conseguiram ter retorno. Queriam se comunicar com os outros, e foram longe — acredita Borges.