A pandemia da covid-19 fez com que, desde março, shows fossem cancelados. Com a orientação para as pessoas ficarem em casa, as lives com apresentações musicais despontaram como a tendência de entretenimento mais comentada neste período de isolamento social. Nomes de diferentes segmentos aderiram ao formato do show caseiro transmitido pela internet, do gaudério Baitaca ao Rei Roberto Carlos.
Embora as lives tenham surgido com a finalidade de aproximar os artistas do público e também arrecadar doações, a publicidade começou a entrar na jogada. O cantor sertanejo Gusttavo Lima virou a chave das lives no dia 28 de março, quando deu início às apresentações com estrutura digna de DVD ao vivo: cenário, iluminação, equipe de filmagem e maratona de mais de cinco horas de música. A concepção do projeto foi do produtor e diretor Anselmo Troncoso. Idealizador da AT+G Produções, de Goiânia (GO), ele tem experiência na realização de DVDs musicais.
– Tivemos a ideia de fazer algo que tivesse mais atratividade. Até então, as apresentações eram muito caseiras – diz Troncoso
O produtor seguiu realizando lives de sucesso. Trabalhou com nomes como Jorge e Mateus, Marilia Mendonça e Raça Negra, entre outros. Com Gusttavo Lima, criou um modelo que seria adotado por outros artistas, que passou a incluir também muita propaganda.
Tem sido um sucesso de público: no top 5 de picos de acessos simultâneos de lives no YouTube, quatro são transmissões brasileiras. Marília Mendonça chegou a ter 3,3 milhões de pessoas acompanhando seu show na plataforma. Ela é seguida por Jorge e Mateus (3,16 milhões), o italiano Andrea Bocelli (2,8 milhões), Gusttavo Lima (2,76 milhões) e Sandy e Junior (2,54 milhões).
Conforme pesquisa da MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, 76% dos participantes querem a continuidade das lives, mesmo após o fim da pandemia. E onde o espectador estiver, as marcas querem estar também. Entre uma música e outra, tem sido costumeiro ver o artista fazer merchandising ou consumir algo de uma empresa que apoiou o show. Anunciantes ou produtores não costumam divulgar quanto custa o espaço nas lives. O valor varia conforme o tamanho do artista ou da live. Pode variar de cerca de R$ 5 mil em apresentações regionalizadas, segundo apurou GaúchaZH, a cotas de até R$ 1 milhão nos grandes shows online, como informou o jornal Metrópoles, de Brasília.
– Todas as empresas que puderem se associar às lives serão consumidas pelas pessoas que estiverem assistindo. Marcas que se associarem a isso é como se estivessem se associando a uma causa: entreter as pessoas no período de isolamento – explica Karine Karam, professora de pesquisa e comportamento do consumidor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Rio.
De acordo com pesquisa da MindMiners, quase 85% das pessoas entrevistadas dizem admirar companhias apoiadoras das lives. Mais de 67% declararam que este tipo de publicidade aumenta a sensação de proximidade com as marcas.
Para Troncoso, uma vantagem para os patrocinadores é a oportunidade de anunciar para um público pré-determinado, já conhecido, composto por fãs do artista:
– É um tiro certeiro e focado, diferentemente de quando se trabalha em outra mídia, como a TV, em que você pulveriza a ação.
Futuro
Um exemplo de patrocínio de sucesso foi apontado em publicação da CNN Brasil: entre 4 e 12 de abril, semana da live de Marília Mendonça, a Riachuelo registrou um aumento de 124% nas vendas do e-commerce, além de um crescimento de 56% no tráfego do site, na comparação com o mesmo intervalo de dias do ano anterior.
Troncoso acredita que a frequência de lives deve diminuir com o tempo. Porém, ressalta que o formato já está consolidado e pode atrair um novo público para os artistas, principalmente aquele mais caseiro. Já para Karine Karam, as lives abriram uma nova perspectiva de entretenimento, de patrocínio e de financiamento do artista.
– As lives vieram para ficar. Pode ser uma forma de estreitar caminho. O patrocínio também veio para ficar à medida que isso vai ter audiência – atesta.
No Rio Grande do Sul, a Banda Rainha Musical foi uma das pioneiras em promover live com estrutura e patrocínio, em apresentação realizada no domingo de Páscoa, 12 de abril. Segundo o vocalista Maurício Lima, a ideia é que o grupo volte a fazer lives após a pandemia para estar em contato com o público que não vai aos bailes. No entanto, ele avisa que o formato não garante um sustento de uma banda regional e sua equipe:
– Os patrocínios podem ajudar de alguma forma, mas não é muito, não. Primeiro, porque é difícil conseguir anunciante nesta época que está todo mundo cortando gastos. Segundo, porque os valores que se consegue não são tão altos. Analisando que uma banda conta com 20 pessoas ao todo, acaba apenas custeando as despesas da live.