Listada pela a rede britânica BBC entre as cem mulheres mais influentes do mundo, a gaúcha Gabriella Di Laccio abriu a segunda temporada da série Mulheres Fantásticas, exibida no programa Fantástico deste domingo (1°).
Com linguagem documental e elementos animados, a atração apresentada pela cantora Adriana Calcanhotto começou com a história de uma compositora com sobrenome muito conhecido, Nannerl Mozart (1751–1829). A irmã mais velha de Wolfgang Amadeus Mozart (1756–1791) poderia ter conquistado tanto sucesso quanto o irmão, mas quando chegou à fase adulta foi obrigada pelo pai a abandonar os palcos. De artista promissora, tornou-se uma esposa, como destaca o vídeo que pode ser acessado aqui.
Séculos depois de Nannerl, a cantora lírica Gabriella, natural de Canoas, pôde se aventurar e construir uma carreira na música. Filha de um mecânico e uma nutricionista, ela cresceu em Sapucaia do Sul, região metropolitana de Porto Alegre. Na cidade, ainda criança, participava do coral da escola e assistia a óperas na televisão.
Gabriella passou no vestibular para Arquitetura. Cursou os primeiros semestres e deparou com um dilema:
— Não conseguia viver mais sem cantar — contou à apresentadora Poliana Abritta, que a entrevistou em Londres, onde Gabriella mora há mais de uma década.
Além de se dedicar à música clássica, há pouco mais de um ano Gabriella se lançou em outra empreitada: revelar musicistas esquecidas e reescrever uma parte pouco conhecida da história da música erudita, pilares do site Donne Women in Music.
O projeto da gaúcha lista mais de 4 mil compositoras de diferentes países. A relação, com links para se conhecer a vida e obra das autoras, começa na Idade Antiga, destacando, por exemplo, a poeta grega Sapho (630 – 570 a.C). Avança ao longo dos séculos – de forma mais efetiva a partir do século 16. Lembra de nomes como a italiana Maddalena Casulana (1544 – 1590) –, primeira compositora a ter seu trabalho impresso e publicado nos registros da música ocidental –, a austríaca Nannerl Mozart e a brasileira Chiquinha de Gonzaga (1847 – 1935).
Além de Chiquinha Gonzaga, outras brasileiras são mencionadas na lista. Entre elas, estão as gaúchas Esther Scliar (1826 - 1978), compositora, musicóloga, maestrina e professora; Dinorá de Carvalho (1905 - 1980), pianista, compositora e primeira mulher aceita na Academia Brasileira de Música; e Catarina Domenici, compositora, pianista e professora da UFRGS.
Origem do projeto
A iniciativa é fruto de uma pesquisa pessoal de Gabriella. A soprano lembra que sempre buscou referências femininas para suas apresentações. Sua inquietação deu lugar a uma pesquisa mais ampla, com o intuito de divulgar as musicistas encontradas. Gabriella buscou publicações, artigos e enciclopédias sobre o tema. A principal referência foi o livro International Encyclopedia of Women Composers, do pesquisador americano Aaron I. Cohen, que nos anos 1980 listou mais de 6 mil compositoras na música clássica.
A soprano diz que tinha a sensação de ter perdido uma aula especial antes de conhecer histórias e mulheres com obras fascinantes:
– Faz parte da história da música, faz parte da história atual não dar reconhecimento a tantas mulheres. Então, me dei conta de que gostaria de fazer a minha parte — disse Gabriella em entrevista a GaúchaZH.
O site também conta com um canal no YouTube, Drama Musica, em que são disponibilizados vídeos animados sobre artistas e entrevistas com musicistas.
O projeto recebeu apoio financeiro de duas instituições: a Arts Council of England e o Conservatório Real da Escócia, que auxiliaram na produção de cinco CDs com releituras de obras cantadas – disponíveis no Spotify e no iTunes. Gabriella destacou o quanto a experiência está sendo inspiradora:
– Está enriquecendo muito a minha vida artística, não só com o conhecimento de um vasto repertório muito interessante, mas também por estar em contato com compositoras contemporâneas. A gente, como artista e performer, se esquece da riqueza de poder estar em contato com o compositor vivo.
Como vão as orquestras?
A pesquisa desenvolvida pelo Donne Women in Music identificou um pequeno número de compositoras nos repertórios das 15 maiores orquestras do mundo. Das formações analisadas, as programações previstas para 2018 e 2019 reúnem 1.445 concertos com um total de 3.524 peças – e apenas 82 delas escritas por mulheres.
– Se eu, sozinha, consegui entrar em contato com esse repertório de nomes, não entendo como grandes instituições que têm tempo, verba e pessoas para fazer pesquisa não estejam fazendo isso – lamenta Gabriella.