Poesia, música e dramaturgia chegaram em um vermelho brilhante ao Salão de Atos da PUCRS na noite desta terça-feira (5), em Porto Alegre. Moderno, após passar por revitalização, o espaço anda em compasso com Maria Bethânia, que também se reinventa em Claros Breus, um show que misturou hits clássicos, ainda não gravados ou inéditos na voz da baiana.
Pouco antes, no foyer, por volta de 20h, o público já esperava ansioso. Para Daiana Kessler, 31 anos, de Novo Hamburgo, esta era uma oportunidade única.
— Não sei quando e se ela vai voltar a Porto Alegre. Precisamos ver Maria Bethânia pelo menos uma vez na vida — afirmou a assistente de relações internacionais, que veio com a colega de trabalho Bianca Sturmer, 21.
— Quando fui comprar ingresso, só tinha mais três lugares — conta a estudante de Turismo.
Já a aposentada Ana Lúcia Biesuz, 55 anos, diz que tenta ver a intérprete sempre que ela vem a Porto Alegre:
— A energia dela é linda. Faz com que o público se envolva nas canções.
Com ela, a também aposentada Carmen Haas, 80 anos, estava bastante empolgada com a primeira vez num show de Bethânia:
— Acho que vai ser muito bonito.
Carmen não deve ter se decepcionado. Com Pronta pra Cantar, do irmão Caetano Veloso, Bethânia abre lindamente o espetáculo, que marca também um momento especial para a universidade e para a própria intérprete: a entrega do prêmio Mérito Cultural. A primeira edição, no ano passado, já havia homenageado Fernanda Montenegro.
No novo Salão de Atos, os cerca de 1,6 mil lugares estavam ocupados.
— Que sala linda! O Sul está me tratando muito bem — diz Bethânia.
Em cerca de uma hora e meia de show, da voz que parece ocupar cada pequeno espaço do salão, não apenas saem canções que se tornaram clássicas sob a tutela da baiana, como Olhos nos Olhos, mas também músicas inéditas, entre elas A Flor Encarnada, de Adriana Calcanhoto, e Águia Nordestina, de Chico César.
Bethânia também cantou músicas pela primeira vez em sua voz. Sinhá, de Chico Buarque, é uma delas. Mas parte do público delira quando a intérprete traz sua versão de Evidências, música de Paulo Sérgio Valle que ficou conhecida na voz da dupla Chitãozinho e Xororó.
A versão do espetáculo em Porto Alegre veio um pouco mais curta, talvez para encaixar a entrega da homenagem dentro do espaço de uma hora e meia. Tocando em Frente e Brincar de Viver foram alguns dos hits que ficaram de fora. Assim como Gente, de Caetano Veloso. Mas o irmão foi bem representado em Sampa e no bis.
Entre algumas canções, Bethânia faz jus ao prêmio previsto para o fim do espetáculo: também recita trechos de textos de Mia Couto e Ferreira Gullar. Nesses momentos, sentada em um banquinho e recriando um pouco da atmosfera intimista em que nasceu o show, ela fala sobre a ideia que deu origem a Claros Breus. Veio de uma vontade de estar mais perto do público, o que ocorreu nas pré-estreias no Clube Manouche, no Rio de Janeiro, em julho.
— Eu queria reviver a noite carioca, quando ela era um diamante — relata.
A escola de samba campeã do último Carnaval do Rio, homenageada pela cantora no disco Mangueira, A Menina dos Meus Olhos, com estreia prevista para 5 de dezembro, não fica de fora do espetáculo. A plateia se empolga e canta junto História pra Ninar Gente Grande.
No bis, Bethânia entoa Purificar o Subaé, composição de Caetano que não poderia ser mais atual como forma de protesto – ela nasceu como uma manifestação contra a poluição no Rio Subaé, que corta Santo Amaro da Purificação, terra natal dos irmãos Veloso, por chumbo, cádmio e zinco –, e o público aproveita para se aproximar. Ela vem à beira do palco e estende as mãos aos mais sortudos. A plateia pôde, então, ver um momento emociante: a entrega do Prêmio Mérito Cultural, reconhecimento da instituição aos artistas que utilizaram sua vida e carreira em defesa da cultura, em uma aliança com a educação.
— Sua voz é uma força da natureza. Sua voz é o palco, é o próprio sagrado — diz o reitor da PUCRS, irmão Evilázio Teixeira.
— Agradeço com o coração na mão e à mostra — responde Bethânia. — A cultura traz dignidade a um povo — completa.
A cantora leva a placa recebida para mais perto do público. E antes de deixar a cortina fechar atrás de si, canta Gonzaguinha. Nesse momento, ninguém mais tem vergonha de viver, cantar e ser feliz.