Porto Alegre é a privilegiada da vez ao assistir a uma das maiores intérpretes da música brasileira convocar o novo, o clássico, o desejo e o agradecimento em um mesmo espetáculo. Para coroar a noite, que ainda é a da estreia do novo Salão de Atos da PUCRS, Maria Bethânia, que traz nesta terça (5), às 21h, Claros Breus à Capital, será homenageada pela universidade com o Prêmio Mérito Cultural — láurea que chega neste ano a sua segunda edição e que destacou Fernanda Montenegro em 2018. Os ingressos para o evento estão esgotados.
— Fiquei muito honrada. Quando a universidade entrou em contato, fiquei muito feliz. Imagina, uma baiana, uma nordestina receber esse reconhecimento — relatou a artista em entrevista por telefone a GaúchaZH.
O professor da Escola de Humanidades da PUCRS Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura da instituição, conta que, previsto pelo regimento geral da universidade, o prêmio é uma forma de reconhecimento aos artistas que utilizaram sua vida e carreira em defesa da cultura, em uma aliança com a educação.
— Bethânia se transformou em uma espécie de embaixadora da língua portuguesa. Primeiro veio a ideia de indicá-la a esse prêmio, depois de juntar o show. Ele funciona como uma aula magna, porque tem uma poesia, um teatro — explica Barberena.
Teatro é onde nasceu a Bethânia artista, que despontou nos palcos ao substituir Nara Leão, em 1965, no Show Opinião, de Augusto Boal. Em Claros Breus, também há uma narrativa, conta a baiana. Direção e cenário, assinados por Bia Lessa, emolduram a primeira parceria musical de Bethânia com o maestro baiano Letieres Leite.
As pré-estreias para pouco mais de uma centena de pessoas no Clube Manouche, no Rio de Janeiro, em julho, nasceram de um desejo da baiana de se sentir mais próxima do público:
— Tinha uma vontade minha muito grande de voltar à noite do Rio, onde eu não estava desde a década de 1960/1970. Com isso, nasceu o show. E nasceu com um roteiro muito definido.
Em razão disso, a transposição para casas de shows maiores como o Credicard Hall, em São Paulo, onde estreou em 2 de agosto, não apaga o lado mais intimista da atração, mas faz Claros Breus crescer para pelo menos uma hora e meia. Com 37 músicas, o espetáculo tem também Bethânia lendo trechos de textos como Poema Sujo, de Ferreira Gullar, e Quero Ser Tambor, do moçambicano José Craveirinha.
No repertório, estão canções inéditas que ainda não foram gravadas, como A Flor Encarnada, de Adriana Calcanhotto, e Luminosidade, de Chico César, e outras pela primeira vez em sua voz, entre elas Evidências, letra de Paulo Sérgio Valle que virou hino nas vozes de Chitãozinho e Xororó.
— Eu já tinha cantado É o Amor (de Zezé Di Camargo e Luciano) em outras oportunidades. Cheguei a ser questionada por isso. Não me importo, porque sou uma intérprete do povo do Brasil. E também já cantei tantas de Paulo.
Dos clássicos já conhecidos em sua voz, os fãs ouvem Olhos nos Olhos (Chico Buarque), Brincar de Viver (Guilherme Arantes/Jon Lucien) e Pronta pra Cantar (Caetano Veloso).
Mangueira
O show tem ainda o samba-enredo de 2019 da Mangueira, ano em que a escola foi campeã do Carnaval do Rio. Interpretando no palco História pra Ninar Gente Grande, devolve a homenagem que recebeu da verde-e-rosa em 2016, quando foi tema do samba-enredo Maria Bethânia, a Menina dos Olhos de Oyá, que consagrou a escola vencedora da disputa. Mas a lembrança não se esgota no show:
— Eu queria muito fazer um disco em agradecimento à Mangueira — fala, em referência a Mangueira, a Menina dos Seus Olhos, álbum que exalta a agremiação e que será lançado em 5 de dezembro.
O single A Flor e o Espinho (clássico de Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha), lançado em 31 de outubro, já levou um gostinho da produção aos fãs mais afoitos e marcou a chegada de Bethânia às redes sociais.
— Esse negócio de perfil no Instagram foi coisa da gravadora, uma coisa profissional mesmo. Eu não acompanho muito, não tenho muito tempo para essas coisas — revela, ressaltando que, no seu tempo livre, gosta de ir ao cinema e ver shows. — Também gosto de ser plateia — completa.
Não é o mesmo que acontece com o irmão Caetano Veloso, bastante ativo em seu perfil no Instagram, em que, não raramente, expressa opiniões políticas. Já Bethânia diz que sua tribuna sempre foi o palco:
— É sempre ali que eu expresso minha opinião. Com Claros Breus, não é diferente.
Em um dos shows de pré-estreia no Rio, em julho, incluiu a música Caipira de Fato, de Adauto Santos, poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro usar o termo “paraíba” para se referir aos nordestinos. Sobre o episódio, ela chegou a dizer em entrevista à Folha de S.Paulo: “Tenho a maior honra de ser chamada de paraíba”.