Os Beatles já estavam cansados de ser os Beatles quando subiram juntos a um palco pela última vez: no dia 30 de janeiro de 1969, os Fab Four pegaram seus instrumentos no topo do edifício do número 3 da Savile Row, em Londres, e tocaram para nunca mais tocarem em frente a uma audiência.
A história ainda não definiu com certeza de quem foi a ideia: há quem diga que foi do conciliador Ringo Starr, mas o engenheiro de som Glyn Johns também reclama o título.
Fato é que a banda estava instalada no prédio da Apple Records, a gravadora, produtora de filmes e estúdio. O plano era fazer um filme sobre o processo criativo nas gravações do que seria o disco Let It Be. O finale seria uma apresentação ao vivo: a primeira desde o último show da banda, em San Francisco, Califórnia, em 1966.
As filmagens na verdade começaram no Twickenham Film Studios, e eram realizadas de segunda a sexta começando às 9 horas da manhã, por regulamentações sindicais. Mas a banda já não estava em seu melhor momento no quesito convivência, e o fato de tentar fazer rock and roll no inverno britânico muito cedo não ajudava. um trecho do filme Let It Be, dirigido por Michael Lindsay-Hogg (que décadas depois revelaria ser filho de Orson Welles) e vencedor de um Oscar de trilha sonora em 1971, mostra um momento em que George Harrison discute com Paul McCartney num tom altamente irônico.
— Eu vou tocar o que você quiser que eu toque ou não vou fazer nada — diz Harrison. — O que quer que te agrade, eu vou fazer.
Ouch.
A história segue e conta que depois de algumas especulações megalomaníacas como Los Angeles, o Coliseu e uma ilha na Grécia, a banda concordou em fazer subir os equipamentos e tocar no terraço do prédio, na hora do almoço, na região central de Londres.
Instrumentos, a estrutura de palco, o sistema de PAs, microfones e cabos foram levados quatro lances de escada acima, e no dia 30 de janeiro de 1969 uma pequena turma de amigos, além da equipe de filmagem, começava a presenciar aquela que seria a última aparição dos quatro Beatles juntos.
A missão de montagem e mixagem do som ficou por conta dos engenheiros Glyn Johns, Keith Slaughter e Dave Harries. Um dos problemas a serem resolvidos pela equipe era o vento nos microfones. Eles então mandaram um operador novato (o então desconhecido Alan Parsons) ir comprar meias-calças numa loja.
— Recebi muitos olhares estranhos — lembrou Parsons anos depois.
O som foi mixado numa máquina de gravação de 8 canais, e alguns dos takes foram usados na mixagem de Let It Be.
Embora o filme se encontre hoje fora de catálogo, alguns vídeos e trechos ainda podem ser encontradas na web.
O show durou pouco mais de 40 minutos e foi interrompido, sim, pela polícia, após reclamações de comerciantes e moradores sobre o barulho.
Em entrevista décadas depois, McCartney lembrou com carinho da ocasião:
— Eu amei porque ela mostra o que os Beatles eram por baixo de tudo aquilo. Nós éramos uma bela de uma banda.
No fim do show, após uma versão crua de Get Back, é possível ouvir Lennon dizer:
— Eu gostaria de agradecer em nome do grupo e de nós mesmos, e espero que tenhamos passado no teste.
Cinquenta anos depois, é agridoce lembrar que esse foi um dos ensaios finais.
AS CANÇÕES
Apenas com as músicas tocadas nesse último show é possível notar como a importância dos Beatles se estende para gêneros diversos, do jazz ao country, do soul ao grunge, da MPB ao reggae.
Don't Let Me Down
Quem fez versões: Marcia Griffiths, Randy Crawford, Dana Fuchs
Get Back
Quem fez versões: Al Green, Ike e Tina Turner, Rod Stewart, John Pizzarelli, Tribe Reggae Band
I've Got a Feeling
Quem fez versões: Pearl Jam, Laibach, Cássia Eller
One After 909
Quem fez versões: Willie Nelson, Wilko Johnson
Dig a Pony
Quem fez versões: Marisa Monte, Screaming, Headless Torsos