A verdade é que a gravação de The Beatles, álbum que passaria para a história sob o título extraoficial de Álbum Branco, foi uma disputa de egos e de vaidades que precedeu o fim do que talvez tenha sido a maior banda de rock da história - nos dois anos seguintes, a banda lançaria apenas a trilha do filme Yellow Submarine (1969) e seus dois últimos discos, Abbey Road (1969) e Let It Be (1970).
Mas é bem mais interessante analisar o disco - que completou 50 anos no último 22 de novembro, com direito a relançamentos especiais em todo o mundo - com base na simbologia que ganhou, nas histórias por trás de suas composições, na separação de quatro forças da música em dínamos independentes e no que pode ser considerado um grande mosaico de influências, registros anteriores, ressentimentos e percepções acerca do zeitgeist do final dos anos 1960, resumidos em uma capa totalmente branca, com o nome da banda quase invisível.
O contraste já fica claro desde a capa: se os registros anteriores, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e a trilha de Magical Mystery Tour, lançados em 1967, tinham encartes coloridos, psicodélicos e atrolhados de imagens, The Beatles foi lançado quase imaculado. Soma-se isso ao fato de Paul, John, Ringo e George terem permanecido dois meses na cidade de Rishikesh, na Índia, onde passaram por um retiro espiritual conduzido pelo guru Maharishi Mahesh Yogi, e a mística sobre o lançamento já ganha ares de hype antes mesmo de as faixas serem escutadas.
Lá dentro, o que se vê são 30 faixas divididas em quatro discos, que vão do blues tipicamente norte-americano (Yer Blues) ao experimentalismo vanguardista de Yoko Ono (Revolution 9), passando por baladas com cara de Paul McCartney (I Will), cantigas de ninar (Good Night) e o que pode ser considerado o embrião do que passaria a ser chamado de heavy metal (Helter Skelter). Talvez por isso o Álbum Branco seja tão simbólico, principalmente para fãs dos fab four: devido às brigas constantes, o disco foi produzido de maneira praticamente individual por cada um dos membros. Ringo chegou a deixar a banda, Paul arranjou briga por gravar faixas sem consultar os companheiros, John foi pivô de desavenças por conta da presença indesejada de Yoko Ono e o abandono repentino do produtor George Martin. É possível tirar dali pistas do que aconteceria com cada um depois de a banda, enfim, decidir interromper as atividades.
Versão remixada inclui faixas bônus
Grande parte das composições que aparecem em The Beatles foram escritas durante (e sobre) o conturbado retiro na Índia - a crescente paixão de John por Yoko, o abalo emocional que o retiro causou em certos membros (Dear Prudence, I'm So Tired e Yer Blues), além de referências ao desentendimento entre os quatro músicos (While My Guitar Gently Weeps e Everybody's Got Something to Hide Except Me and My Monkey), ao comportamento pouco religioso do guru indiano (Sexy Sadie) e até a um casal de macacos que Paul viu transando à beira de uma estrada no país asiático (Why Don't We Do It in the Road?).
Se os registros mostram que muito do disco é resultado do caos instaurado pelos membros do grupo, também é inegável a simbologia que um disco duplo de capa totalmente branca lançado meses antes da maior banda do mundo acabar tem - e que, cinco décadas depois, ganha ares ainda mais místicos. Seja qual for sua versão preferida, as 30 faixas acabam de ganhar versão remixada, disponível nas plataformas de streaming e nos canais oficiais da banda, com direito a faixas bônus. 50 anos depois, ainda há muita história sobre The Beatles para ser contada.