Por que Paul ainda causa tanto frisson, em gente de todas as idades, passados quase 50 anos do fim dos Beatles? Porque ele ainda é um beatle, um eterno beatle; nunca deixou de sê-lo, ao contrário de John, George e Ringo, que se tornaram ex-beatles. Desde cedo Paul se assumiu como o eixo do grupo. Gostava também do papel de "public relations".
Foi dele a ideia da Apple, uma empresa para cuidar das carreiras e dos negócios dos quatro. Era ele quem tomava a iniciativa de administrar as crises que surgiam com o grande sucesso e a emergência das características pessoais de cada um – a paixão de John por Yoko e o engajamento político, a orientação de George para a transcendência espiritual, a inclinação de Ringo para a vida mundana e o laissez-faire.
Não por outra razão foi Paul, na manhã de 10 de abril de 1970, quem convocou a imprensa para anunciar que estava deixando os Beatles. Ora, quando ele fez esse anúncio, o grupo já estava dissolvido havia meses pelos outros, contra sua vontade. Demorou para entregar os pontos e o fez como tivesse sido dele a iniciativa. O embate com John foi o mais dolorido, pois John abrira para ele as portas de uma banda de rock, ambos órfãos de mãe, ambos adolescentes da classe média baixa em Liverpool, ambos empolgados pela nova música norte-americana que ouviam no rádio, Elvis Presley, Little Richard, Chuck Berry. Paul, 16 anos, se aproximou de John, 18, no verão de 1956, ao ver o grupo Quarrymen tocando numa quermesse.
Aí se identificam, começam a compor juntos e se identificam mais ainda, Paul com novos acordes e belas melodias, John com letras fortes e melodias também. Paul chama seu amigo George e o núcleo fundador dos Beatles estreia em Hamburgo como banda de apoio do cantor Tony Sheridan – e logo, sem ele, formatando um som mais acelerado, com vocais fortes, que explodiria em 1963 para logo entrar na história do rock como a mais influente banda de todos os tempos. Em seus shows, como o de 2010 e o de agora, ambos no Beira-Rio, Paul costuma cantar clássicos beatles como Blackbird, Eleanor Rigby, Can’t By Me Love, da parceria com John; Yesterday, Hey Jude, The Fool On The Hill, só dele, além das muitas canções da carreira solo.
Puxando a frigideira para o meu bacon with eggs, namorei muito ao som dos caras, começando pelas versões de Renato e Seus Blue Caps, pioneiros a injetar Beatles na juventude brasileira – como Menina Linda (I Should Have Know Better). Logo vieram os filmes e surgiu uma inútil mas real dualidade entre os que eram mais fãs de Paul e os que eram mais fãs de John. Ok, confesso: na hora da opção eu era dos que ficavam com John, George correndo por fora e só depois Paul. Tenho todos os álbuns dos Beatles, todos os de John e de George, acho que todos os de Ringo, faltam-me uns três ou quatro de Paul.
Mas depois de assistir ao primeiro show dele no Beira-Rio (de pé, ao lado do grande e inesquecível radialista Glênio Reis, já na casa dos 80 anos), fechei com Ângela Oliveira, a Magrinha, querida amiga que começou a carreira jornalística trabalhando comigo em ZH, depois foi ser editora de revistas em São Paulo e hoje vive em Lisboa. Sobre o primeiro show de Paul em Sampa, me mandou um e-mail: "Na coletiva de imprensa sentei na primeira fila e só conseguia olhar pra ele. Saí enlouquecida e chorando porque tinha visto um beatle...".
Pois é, sete anos se passaram entre a primeira vinda de Paul e esta agora. Isso me leva à linha do tempo, lembrando, primeiro, o que estava acontecendo no ano do nascimento dele, 1942, quando a II Guerra conflagrava a Europa. É o ano em que o Brasil declara guerra à Alemanha e começa a enviar soldados ao front europeu. Também é o ano em que o mil réis é substituído pelo cruzeiro e em que Getúlio Vargas institui o salário mínimo. Nos Estados Unidos, o físico italiano Enrico Fermi consegue a fissão do átomo, antecipando a bomba atômica. E o futuro clássico filme Casablanca, com a paixão reprimida de Ricky Blaine (Humphrey Bogart) e Ilsa Lund (Ingrid Bergman) no Marrocos, tendo a guerra como pano de fundo, ganha o Oscar.
No mesmo ano de 1942 nascem Jimi Hendrix, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Calvin Klein, Tim Maia, Paulinho da Viola, Isabel Allende, Milton Nascimento, Nara Leão, Stephen Hawkin. Em 1960, quando Paul tem 18 anos e os Beatles se tornam uma banda (ainda sem Ringo), havia pouco mais de 600 aparelhos de TV num Brasil com 69,7 milhões de habitantes, apenas 45% vivendo em cidades. Nesse ano, a IBM lança o primeiro computador e o presidente Juscelino Kubitschek inaugura Brasília. Na música, a bossa nova traz Samba de Uma Nota Só e Meditação. Fenômeno popular é Coração de Luto, de Teixeirinha. O cinema consagra Rocco e Seus Irmãos, A Doce Vida, Psicose. Nascem os futuros heróis Airton Senna e Renato Russo.
Em 1962, quando sai o primeiro compacto dos Beatles, com Love Me Do e P.S. I Love You, o Brasil se torna bicampeão mundial de futebol, o presidente John Kennedy determina bloqueio econômico a Cuba, o presidente João Goulart institui o 13º salário, é inaugurada a TV Gaúcha (depois RBS TV), o filme O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte, ganha a Palma de Ouro em Cannes, é lançado o Telstar I, primeiro satélite internacional de comunicação e, para não parecer tudo assim tão distante, nasce no Rio Cássia Eller.
Em 1970, os Beatles se despedem com o álbum Let It Be (música de Paul). Não é impressionante que em apenas oito anos tivessem construído tal escala histórica para o futuro, sendo comparados em importância musical inovadora a Beethoven? Em 1970, sob um período agudo da ditadura militar, a Seleção Brasileira ganha o tri no México. Salvador Allende é eleito presidente do Chile.
É realizada a primeira ligação telefônica internacional via-satélite. O Brasil já tem 56% da população em cidades. Morrem Jimi Hendrix e Janis Joplin. Os bondes deixam de circular em Porto Alegre.
Mas tudo isso é passado, nada importa para os fãs de todas as idades que sairão cedo de casa e do trabalho para cantar com Paul McCartney no futuro que é hoje...