Reconhecido cronista do jazz e da música brasileira, Zuza Homem de Mello, 85 anos, é tema de um documentário que estreou nesta segunda no Festival do Rio e será o homenageado do 4º POA Jazz Festival, evento no qual vai autografar seu livro sobre o samba-canção neste sábado (10), às 17h, no Centro de Eventos do BarraShoppingSul.
Como o senhor avalia o desenvolvimento do POA Jazz com o passar dos anos?
O festival em Porto Alegre teve uma participação direta no crescimento do interesse pelo jazz na cidade. Teve uma importância na cena local e no crescimento do número de músicos que formam grupos novos, que hoje existem em quantidade bem maior do que há alguns anos, segundo informações que tenho. Os músicos jovens que ainda não têm uma atuação profissional bem estabilizada ou concretizada, ao assistirem a esses festivais, animam-se a continuar, a se aperfeiçoar, a montar seus grupos. Porque se espelham nessas atrações que vêm de fora para poder desenvolver seu próprio estilo, sua própria direção musical. É uma razão de grande animação para os músicos mais jovens.
Com que sentimento o senhor recebeu a notícia de que será homenageado neste edição do POA Jazz?
Casualmente, estou no Rio dando essa entrevista para você em função de um documentário que foi apresentado ontem (segunda-feira, dia 5) pela primeira vez no Festival de Cinema do Rio. O título é Zuza Homem de Jazz, que foi desenvolvido nesses três últimos anos com uma porção de entrevistas, depoimentos e participação de gente muito importante. Participando como a pessoa central desse documentário, tenho recebido opiniões e análises muito calorosas sobre a minha trajetória. Porque, de fato, sempre procurei fazer isso desde muito jovem, com 15 ou 16 anos. Interessando-me pelo jazz, fui estudar nos Estados Unidos. Estudei na School of Jazz com o baixista Ray Brown, depois na Juilliard e, voltando para o Brasil, fui fazendo minha carreira sempre em função da música brasileira e do jazz. Fui curador de festivais de jazz desde 1978, quando foi realizado o primeiro Festival de Jazz de São Paulo. De lá pra cá, continuei no Free Jazz, no TIM Festival etc. Tenho uma intimidade muito grande com músicos desde muito cedo, quando tinha 22 ou 23 anos e fui para a School of Jazz. Fui cultivando as amizades, o meu entusiasmo e minha atuação como analista da área de jazz. E isso naturalmente acaba dando esse reconhecimento que chega justamente nesse momento, dentro desses dois eventos. O primeiro é o documentário, e o segundo é essa homenagem que o Carlos Badia (curador-geral do POA Jazz) resolveu me prestar me convidando para o POA Jazz neste ano. As duas coisas caem no mesmo momento, e acho que não é uma coincidência (risos). Ontem (segunda), tinha vários músicos presentes. Tinha Ney Matogrosso, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Francis Hime, músicos, críticos etc. Tinha um grupo de pessoas conhecidas, amigos meus da música que foram assistir e gostaram muito. Ficou muito bonito.
O que o incentivou a mergulhar no universo do samba-canção para escrever o livro Copacabana: A Trajetória do Samba-Canção (1929–1958), que terá lançamento em Porto Alegre neste sábado?
Porque vivi o samba-canção, foi esse o motivo. Nos meus 17 ou 18 anos, vinha para o Rio com muita frequência nas férias e participava dessa música. Então, tive a oportunidade de constatar duas coisas. A primeira é que o samba-canção tem uma importância muito grande na música popular brasileira. Durante um período de 10 anos, o samba-canção predominou através de nomes exponenciais. Além disso, havia um estigma de que o samba-canção não era importante, que era americanizado, que o Dick Farney era cantor de jazz. Isso tudo caiu por terra. Eu precisava documentar isso para mostrar que não era verdade. Quis, através do livro, expor a qualidade do samba-canção e mostrar que compositores como Cartola faziam samba-canção. Compositores como Ary Barroso, Noel Rosa, Dorival Caymmi, todos eles tinham participação muito grande na história do samba-canção. Foi isso que me levou ao livro, que comecei a fazer em 2013 ou 2014.
Como está sendo a repercussão do livro?
Foi lançado em dezembro de 2017 e, durante esse ano de 2018, tem havido relançamentos em várias cidades do Brasil e em Portugal. Em alguns lugares, além dos autógrafos, temos feito espetáculos de música, uma espécie de aula-show em torno do samba-canção.
O senhor teve uma formação musical extremamente sólida para escrever sobre música. O que diria para quem escreve e fala sobre música hoje?
Para escrever sobre música, você não pode se valer pelo seu gosto pessoal, pelas suas impressões. Claro que elas pesam, mas não pode ser apenas isso. Tem que ter uma base teórica considerável para poder não só avaliar como dar ao texto um peso de quem conhece o assunto. A justificativa de que tal coisa é boa e tal coisa não é boa só pode ser construída a partir do momento em que você tem um conhecimento técnico, e não apenas uma base de gosto pessoal ou de tendência. Isso vale parcialmente, mas não vale na hora de dar peso à sua opinião. Sua opinião terá peso na medida em que você puser um conhecimento técnico. Por isso, um músico pode se expressar sobre por que tal coisa é boa ou não. Acho que isso é fundamental e por isso, desde meus 20 e poucos anos, fui estudar música. O que eu queria na vida era um dia escrever e opinar sobre música. Tanto que o lema da minha vida é ensinar as pessoas a saber ouvir música. Isso está em tudo que faço: aulas, cursos, programas de rádio, textos que escrevo, produção de shows e de festivais.
Lançamento de livros
- Copacabana: A Trajetória do Samba-Canção, de Zuza Homem de Mello, e Negras Melodias, de Eduardo Osório.
Sábado (10), das 17h às 19h, no Centro de Eventos do BarraShopping Sul (Av. Diário de Notícias, 300), em Porto Alegre.