De volta a Porto Alegre para show no Opinião nesta quinta-feira (14), às 23h, o paulistano Rael conversou com GaúchaZH sobre o seu atual momento da carreira. Vencedor do Prêmio da Música Brasileira na categoria cantor (pop / rock / reggae / hip hop funk) do ano passado, o rapper revela na entrevista que há uma aceitação e abertura maior atualmente no que se refere ao seu estilo de fazer rap, recheado de influências da MPB, samba e reggae.
Ainda sobre o cenário contemporâneo do movimento hip hop, o artista disserta sobre a discussão envolvendo o embranquecimento do gênero nos últimos anos e também sobre a importância de o álbum Sobrevivendo no Inferno, do grupo Racionais MC’s, ter sido anunciado como leitura obrigatória no vestibular de 2020 da Universidade de Campinas (Unicamp).
Em entrevista para a GaúchaZH anteriormente, você disse que, desde 2013, com o disco Ainda Bem que Eu Segui as Batidas do Meu Coração, pelo menos uma vez por ano você se apresenta em Porto Alegre. De lá para cá, o que você nota de diferente e o que ainda se faz presente no Rael atual que poderá ser conferido pelo público na quinta?
De lá para cá, eu tenho notado que, por parte do público, tem crescido mais o carinho, a admiração pelo trabalho nos shows dessa fase do Ainda Bem para o Coisas do Meu Imaginário (2016). Claro que é um momento diferente, né. Foi uma coisa que foi construída com o tempo. Agora a gente está com essa turnê do Coisas do Meu Imaginário, mas eu sempre trago resquícios, coisas dos trabalhos anteriores. O que eu acho que tem ficado em evidência durante o show é o momento violão e voz, que eu faço um medley de refrões, pois eu tenho participações com o Criolo, Emicida, Kamau, com o Pentágono, e é um momento do show que as pessoas chegam junto, acho que é o momento que elas mais participam. Fica uma coisa bem intimista, uma parada acústica. Acho que isso é uma coisa que tem destoado da época do Ainda Bem para agora.
Recentemente, tem se discutido sobre o embranquecimento do rap devido a eclosão de manifestações que vem de encontro à raiz do movimento, que sempre protestou contra as dívidas sociais históricas do nosso país. Podemos citar o recente caso da rapper Nabrisa, que disse em versos que "O rap é pra branco e pra preto / E todo preço já foi pago". Qual a sua avaliação sobre o cenário do rap atualmente no que se refere a esse tema?
O que acho que precisa haver é respeito pela história do movimento a partir do momento em que você quer se inserir nele. Ter conhecimento é interessante também se não quiser passar vergonha [risos]. Bom, é claro que racismo não é aceitável de forma alguma, mas isso não só no rap, me soa óbvio que é de maneira geral. A popularização e aceitação do movimento trouxe gente fazendo um rap que é desconectado da essência do movimento, e me parece que há público para isso. Tudo bem para mim, vai ter rap de mensagem, gangsta, ostentação, rap de amor, rap que não diz nada com nada, sem problemas. Claro que nem tudo me representa, não é que há uma grande unidade e sou obrigado a dizer que estamos dentro do mesmo movimento porque fulano ou fulana diz que faz rap. Eu não vou ouvir, não vou fazer música junto. Mas também não vou ficar aqui decretando quem pode e quem não pode estar, os requisitos, sabe?
O álbum Sobrevivendo no Inferno (1997), do grupo Racionais MC's, foi anunciado como leitura obrigatória do vestibular de 2020 da Universidade de Campinas (Unicamp). O que essa conquista representa para o hip hop?
Eu acredito ser uma grande conquista, grande mesmo. Quando eu era criança, não se discutia racismo na escola, não se ensinava na escola a história do povo preto no Brasil, posso dizer que meus professores de história foram os Racionais MC's, mais do que isso, me ensinaram a ter orgulho da minha cor. Acredito que seja algo a celebrar e respeitar, reforça a grandeza e a importância desses nossos mestres.
Você é um artista versátil, com composições que mesclam ritmos e temáticas das mais variadas vertentes e gêneros. O resultado das produções, muitas vezes, pode causar estranhamento em parcela do público do rap acostumado a formatos em que predomina o MC rimando em cima de batidas secas. Com base no que você tem notado, como anda a aceitação e entendimento do público (e até mesmo da crítica) no que se refere a produções deste tipo?
Eu me lembro de, ainda muito novo, ter ido cantar numa quermesse na quebrada e os caras falarem “esse cara com essa voz de menina cantando assim, isso aí não é rap não” [risos]. Mas o meu rap é isso, influenciado pela MPB, pelo samba, pelo reggae, com violão, banda, eu canto além de rimar, eu não sei fazer de outro jeito, senão não seria o Rael, seria um cara imitando o rap gringo. Claro que hoje vejo uma abertura maior ao tipo de som que eu faço, quem diria que uma música como Envolvidão iria estourar como estourou, nesse mesmo ambiente onde já tiraram sarro. Mas o meu ponto principal é que, na verdade, eu sou avesso a ideia de colocar rótulos nas coisas como se “rap tem que ser DJ e MC numa batida assim”. Estamos no Brasil e o nosso rap obviamente tem a nossa bagagem cultural, senão não é nosso, é uma cópia dos americanos. Se for pra eu imitar o Kendrick, não precisa de mim, o cara ouve o Kendrick que vai ser muito melhor.