Porto Alegre tem algumas paixões. Jorge Drexler é uma delas. Em um ano em que cancelamentos de shows na Capital se tornaram frequentes – CeeLo Green, Wiz Khalifa, Mac Miller, Carl Palmer entre outros –, os ingressos para ver o cantautor uruguaio neste sábado, às 21h, no Auditório Araújo Vianna, esgotaram-se há quatro meses, pouco tempo depois da bilheteria ser aberta.
A cidade repete a boa recepção do espetáculo do disco Salvavidas de Hielo pelo Brasil, que já passou por São Paulo, Salvador, Florianópolis e Curitiba – na capital paulista, foram duas sessões completamente lotadas. O show anterior do compositor em Porto Alegre foi há três anos, com uma estranha formação. Drexler ficava em primeiro plano, com seus violões e guitarras, enquanto dois músicos o acompanhavam ao fundo, tocando samplers, percussão e outros instrumentos. Às vezes, a dupla lembrava dois cozinheiros apressados ou funcionários de uma linha de montagem, manipulando e jogando objetos indecifráveis de um lado para outro de maneira pouco compreensível. O protagonista, ao se levantar, batia a cabeça nas luzes do palco, apontando pouca intimidade com a cenografia ou uma iluminação montada às pressas. O público, em sua maioria fãs apaixonados, reagia a tudo com simpatia, risos e aplausos.
Neste sábado deverá ser diferente. Nesses três anos de hiato na Capital, Drexler aprofundou sua verve rítmica e dançante, com a qual ainda parecia pouco à vontade em 2015. Salvavidas de Hielo dá continuidade ao trabalho iniciado no álbum Bailar en la Cueva (2014), em que explora timbres de diferentes culturas latinas para compor uma sonoridade original e pulsante. Agora, o show conta com seis músicos no palco para levantar a plateia, como num grande baile. No entanto, há também os momentos de voz e violão e músicas de fases anteriores de sua carreira, como Río Abajo, Milonga del Moro Judío e 12 segundos de Oscuridad.
Do álbum novo, já se tornaram sucessos a caribenha Telefonía, em que celebra o amor e as telecomunicações, e a experimental Silencio, curiosa mistura de um refrão melodioso com chiados, palhetadas abafadas e pausas. Mais um bom momento do disco é afetuosa Pongamos que Hablo de Martínez, em que homenageia Joaquín Sabina, mestre da canção pop na Espanha.
Apesar de pouco conhecido no Brasil, Sabina é um dos maiores cantautores da língua castelhana, faz shows em estádios de diferentes países, mas se mantém humilde e boêmio o suficiente para virar noites em pequenos bares, tocando e conversando com músicos locais das cidades que visita. Foi numa dessas noitadas em Montevidéu que conheceu o jovem Drexler e o apadrinhou, abrindo portas para ele na Espanha. Em um dos raros momentos que sai da pose de bom moço, o uruguaio canta no estilo ébrio e mulherengo do mestre: “Te debo la Milonga del Moro Judío/ Y otra turné por el Madrid de los excesos/ Donde aprendí a domar más de cien desvaríos/ Y a robar más de mil besos”. Aprendeu direitinho. E, com a crescente paixão dos fãs, também terá de aprender logo a fazer shows em estádios.
Abaixo, confira uma entrevista feita por e-mail com Jorge Drexler:
Uma das canções de seu álbum homenageia um astro pouco conhecido no Brasil, mas fundamental para a música pop em língua espanhola: o músico e compositor Joaquin Sabina. Por favor, fale um pouco sobre sua admiração por Sabina e da importância que ele teve em sua carreira? E por que trocou o sobrenome dele para Martinez?
JD: Há muito tempo, conheci o grande compositor espanhol Joaquin Sabina e ele me convidou para ir a Madri com ele e começar a minha carreira lá. Foi muito importante pra mim, mudou a minha vida inteira. Deveria ter escrito essa canção antes, mas a gente não escolhe quando escrever, a gente escreve quando pode. As canções têm o seu próprio tempo.
O primero sobrenome de Joaquin é Martinez, então foi uma espécie de enigma simpático para as pessoas desvendarem.
O álbum "Salvavidas de hielo" aprofunda a experiência de seu álbum anterior, que já explorava ritmos dançantes com diferentes timbres acústicos, resultando um trabalho bastante original. Como está reproduzindo isso no palco?
JD: O show está centrado no novo disco, Salvavidas de Hielo, nos sons do violão. Todos sons do disco vêm exclusivamente da voz e do violão. Todos os ritmos básicos que são ouvidos são feitos percutindo as diferentes guitarras: com marretas, pincéis, mãos, baquetas, pauzinhos e tudo o que pode ocorrer para eles que extrai o som das caixas, alças e sintonizadores do instrumento.
A experiência do estúdio é bem diferente da no palco. No estúdio, você está em um laboratório e tem tempo para processar cada som, obtendo o resultado que busca. Ao vivo, o som deve ser mais imediato e espontâneo. Para o show, decidimos agregar novos elementos, além dos violões percutidos. Adicionamos uma bateria e um baixo elétrico. Mas o show está centrado no som do disco, nos sons do violão.
Os ingressos para seu show em Porto Alegre se esgotaram com rapidez. O auditório em que você tocará aqui é maior que a média dos teatros locais. Assim como seu mestre Sabina, pretende no futuro fazer turnês tocando em estádios?
JD: Estamos muito felizes pela resposta do público gaúcho, sempre nos sentimos muito queridos aqui, por enquanto vamos curtir este show de sábado.