Enquanto Rodrigo Quevedo dormia profundamente com a cabeça afundada no travesseiro macio, teve um sonho diferente. Era 6 de agosto de 2020. A pandemia de covid-19 ceifava vidas e impedia maiores interações sociais. Vislumbrou-se como um atendente de livraria. Ao abrir os olhos, foi tomar banho, café e lembrou-se da sensação de ser livreiro enquanto estava na cama. A experiência o marcou sensivelmente. Decidiu escolher a vida entre os livros. Agora, aos 22 anos, tornou-se o livreiro mais jovem em ação na Feira do Livro de Porto Alegre.
— Sempre gostei de livros e lia na biblioteca da minha escola em Gravataí — relembra Quevedo, um dos sócios da Amo Livros Livraria.
A paixão pelos livros surgiu ainda durante a infância. Segundo recorda, o pai não tinha o hábito de ler. Foram as incursões à biblioteca da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vinicius de Moraes que forjaram um leitor ávido e curioso. O primeiro livro que leu foi Harry Potter e a Pedra Filosofal, da escritora J.K. Rowling. Depois, leu toda a coleção e ainda aventurou-se por obras clássicas da literatura.
— Hoje, sou fascinado pelo suspense — conta.
Em 22 de setembro daquele ano, com auxílio do sócio, Marcus Vinícius, alugou uma loja para comercializar livros em Viamão, na Região Metropolitana, onde vive hoje em dia. Em 21 de novembro, as portas foram abertas para o público.
— Quando convidei meu sócio, ele não queria muito. Muita gente falava que livros não eram muito procurados por causa da internet — menciona Quevedo, que estudou até o Ensino Médio e antes da experiência atual, trabalhou divulgando outras livrarias de forma online.
O começo foi com 200 exemplares para venda no ponto situado no bairro Santa Isabel. As prateleiras esvaziaram-se em um piscar de olhos. Quevedo decidiu tornar o negócio mais profissional. Procurou editoras e distribuidoras para ampliar e variar a oferta de obras. A Amo Livros Livraria participou da Feira Literária de Viamão de 2020.
Quatro anos depois, Quevedo vive outro sonho — participar da Feira do Livro da Capital, na sua 70ª edição. Tudo isso apenas seis meses após a água marrom da enchente circundar os jacarandás da Praça da Alfândega, avançar até a Rua dos Andradas e cobrir o piso de pedras portuguesas.
— Eu sempre vinha aqui quando era pequeno com a escola e a família. Sempre achei mágico. Era a minha meta profissional — confessa, enquanto atende dezenas de pessoas na banca de número 7.
A estreia na capital gaúcha está sendo marcada pelo sucesso. Quando concedeu entrevista para Zero Hora, na tarde ensolarada desta sexta-feira (15), Quevedo estava com a voz rouca de tanto indicar livros para os leitores.
— Estou maravilhado — diz.
O livreiro enumera a literatura mais procurada em sua banca — livros de terror da Darkside, infantojuvenis e principalmente de fantasia, em especial as obras de Harry Potter. Outras sete pessoas auxiliam Quevedo na banca da Feira do Livro, que fica próxima ao Clube do Comércio.
— O nosso público-alvo é o infantojuvenil adulto. Trabalhamos também com o infantil de qualidade — afirma.
Para quem está iniciando no mundo da leitura, o livreiro sugere títulos como Procure nas Cinzas, A Garota do Lago, Nunca Saia Sozinho e Deixada Para Trás, de Charlie Donlea, além de Imperfeitos, de Christina Lauren.
Nos momentos de lazer, o livreiro evita conferir o WhatsApp e também não é adepto a assistir a séries na televisão.
— Eu só leio. Quando não estou trabalhando, estou com os meus gatos e lendo — assegura.
Além de gostar de ir em livrarias físicas, onde pode desfrutar da experiência da compra, os livros também proporcionam uma espécie de êxtase sensorial em determinadas ocasiões. Trata-se de algo orgânico.
— Quando chega uma caixa de livros novos, sou eu que sempre abre. Eu preciso abrir. Para mim, é muito satisfatório saber que deu certo o meu sonho de quatro anos atrás — revela.
E qual conselho o mais jovem livreiro das 72 bancas da Praça da Alfândega daria para alguém que pensasse em seguir o mesmo caminho?
— Não desista. Simplesmente, não desista. Se eu fosse ouvir os conselhos das outras pessoas, eu não estaria aqui participando da 70ª edição da Feira do Livro — reflete com os olhos marejados de quem transformou um sonho durante a pandemia em realidade.