Às vésperas de completar, em julho, sua primeira década de existência, a TAG — Experiências Literárias está vivendo um momento triste em sua trajetória: a sede do clube de assinatura de livros, que fica no Instituto Caldeira, no 4º Distrito de Porto Alegre, segue inundada. Por lá, o nível da água ainda está superior a um metro, o que impossibilita o acesso e, consequentemente, a tentativa de salvar o que não foi destruído.
No escritório, no qual trabalham 23 funcionários — no total da empresa, são 45 —, houve uma perda material que gira entre R$ 150 mil e R$ 200 mil, com notebooks e móveis de escritório encharcados, de acordo com o CEO e cofundador, Gustavo Lembert. O que o gestor mais lamenta, no entanto, é a possibilidade de perda de bens que não podem ser precificados, que contam parte da memória destes quase 10 anos da empresa, atualmente com 30 mil assinantes.
Entre os bens simbólicos que ficam na sede estão livros autografados por autores nacionais e internacionais, quadros pintados à mão que, depois, viraram capas de obras enviadas pelo clube, edições passadas que não estão mais em estoque, presentes de curadores e associados e cerca de 500 exemplares que são entregues em eventos, entre outros itens, conforme explica Lembert:
— Tem esse impacto de, entre aspas, "apagar parte da nossa história". Na sede, por exemplo, tem o nosso Prêmio Jabuti, o Prêmio de Inovação da Feira de Londres e uma carta do Luis Fernando Verissimo. Muito provavelmente, todos esses objetos foram perdidos. São itens de valor sentimental, mas que são simbólicos.
A carta de Verissimo, que foi curador do clube em mais de uma ocasião, parabeniza o empreendimento, que foi idealizada por três estudantes de Administração da UFRGS em 2014. Segundo a lembrança de Lembert, que foi até a casa do autor fazer uma entrevista, em 2016, o conteúdo do texto é simples, mas com muito significado, uma vez que o cronista é um dos nomes mais importantes da literatura no país.
— Na carta, ele escreveu algo como: "Que importante que a literatura tenha pessoas como vocês, que seguem acreditando nos livros". Infelizmente, não estou achando nem a foto da carta. Estou bem chateado com isso. Isso é muito significativo porque são marcas que vão enaltecendo o nosso trabalho, nos dando força, energia. Quando passamos por momentos ruins, é sempre bom saber de pessoas incríveis que nos apoiaram. Não tem um valor financeiro — salienta o CEO.
Estoque preservado
As perdas sofridas em Porto Alegre não impedem as operações da TAG, uma vez que o estoque da empresa e o centro de logística estão em São Paulo. Desta forma, boa parte dos assinantes do clube de livros seguirá recebendo as obras conforme o planejado — poderá haver atrasos no envio para os clientes gaúchos, devido à situação delicada de acesso ao Estado.
De acordo com Lembert, os kits do Rio Grande do Sul, referentes a maio, estão todos atrasados e, em junho, também deverá haver esse tipo de problema logístico. Por conta disso, a empresa suspendeu as cobranças automáticas da base de assinantes do Estado durante o mês, já que não era possível saber quem havia sido afetado.
— Enviamos e-mail para toda a base do Rio Grande do Sul e quem não respondia tinha o mês suspenso, para que não cobrássemos da pessoa em um momento difícil — detalha Lembert.
O CEO da empresa não tem uma previsão para a reabertura da sede, pois o próprio Instituto Caldeira segue com as portas fechadas e com a água alta. Assim, não há expectativa de a TAG voltar a ocupar o espaço antes de dois ou três meses.
Ações sociais
Mesmo com os prejuízos simbólicos e financeiros, e com a água ainda inviabilizando o acesso à sede, os responsáveis pela TAG não deixaram de movimentar doações para ajudar os mais atingidos pelas chuvas. Em uma das ações promovidas, a empresa decidiu entregar um livro como agradecimento para quem fizesse uma doação a partir de R$ 10 para a ONG Misturaí para a produção de marmitas. O resultado? Mais de R$ 100 mil arrecadados.
— Tivemos funcionários atingidos pela enchente. Inclusive, teve uma pessoa que perdeu tudo. Nem a casa vai se salvar, porque está com risco estrutural. Então, todas as nossas preocupações se voltaram para as pessoas afetadas — aponta Lembert, reforçando a mudança de foco das comemorações da primeira década da TAG.
Uma destas pessoas atingidas foi a escritora Julia Dantas, que teve a casa alagada. Para auxiliá-la, a TAG fez uma campanha sobre o livro Ela Se Chama Rodolfo, de autoria dela, que havia sido entregue aos assinantes da modalidade TAG Curadoria em dezembro último. A iniciativa do clube foi vender exemplares da obra para todos os interessados e destinar 100% do valor arrecadado para ajudar a reconstruir o lar da autora gaúcha.
— Vendemos praticamente tudo que a gente tinha em estoque. A comunidade comprou muito essa ideia — comemora o CEO da TAG. — Também localizamos mais de 20 associados atingidos e ajudamos com mantimentos e dinheiro. Inclusive, para uma pessoa, também levamos alguns livros para passar esse momento.
Essas iniciativas mais emergenciais foram bem-sucedidas, mas agora Lembert, seus sócios e colaboradores querem ajudar a reintroduzir a leitura nos locais atingidos. Por isso, estão articulando, juntamente com as secretarias estaduais de Cultura e de Educação, um apoio à reconstrução das bibliotecas afetadas ao redor do Rio Grande do Sul, sejam escolares ou públicas.
— Queremos movimentar tanto nossos associados, com doações, quanto editoras nacionais que foram menos impactadas para que nos ajudem com livros. Nossa ideia é mapear quais são as bibliotecas atingidas e que perfil de livros elas buscam. Temos as nossas limitações e é claro que o poder público vai ter que entrar junto, mas entendemos que é uma forma de usar a nossa expertise para ajudar na reconstrução do Estado — pontua Lembert.