A lama está grudada nas paredes da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), colocando-se, a contragosto, como uma exposição no local — a água passou, nos pontos mais atingidos, de 1m50cm. Mas essa "mostra", ao contrário das inúmeras belíssimas que já passaram pelo espaço, ninguém queria ter visto. Nesta terça-feira (21), começou a limpeza deste que é um dos templos culturais de Porto Alegre.
Isto só foi possível porque a água, que se demorou, finalmente deixou a Travessa dos Cataventos, e agora, pode-se acessar novamente a CCMQ, no Centro Histórico. Infelizmente, ainda não para apreciar exposições, assistir a um filme ou curtir as já tradicionais festas que ocorrem por lá. O acesso é, exclusivamente, para ver os danos que a enchente deixou e, aos poucos, começar a recuperar aquilo que foi afetado.
Mesmo que a água tenha atingido apenas o primeiro dos sete andares da instituição vinculada à Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), no rastro deixado pela enchente, já é possível enxergar grandes prejuízos — ainda não calculados. O primeiro passo, a limpeza, está sendo feita por equipes do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) e 10 prestadores de serviço de uma empresa contratada que, munidos de lava-jatos, expulsam o grosso do lodo no local.
Algumas das diversas portas do local, que são de madeira de lei, ficaram submersas até a metade e estão inchadas. Outras foram danificadas e possuem vidros quebrados. De acordo com a diretora da CCMQ, Germana Konrath, a ideia é tentar restaurá-las e não as trocar.
Os espaços comerciais do primeiro andar, como o bar Térreo, a cafeteria Luciamaria, a loja Andaime e a livraria Taverna sofreram perdas significativas, desde seus móveis planejados até os produtos vendidos.
Ainda conforme a diretora, estruturalmente o prédio não sofreu avarias, mas, para tirar as marcas de lama, está sendo prevista uma pintura da fachada e, também, internamente. Já os dois elevadores, essenciais para que o espaço possa ser desfrutado por todos os amantes da cultura, foram desligados antes da água atingir o local, na sexta-feira (3), e agora, será necessário tirar a água que está no poço dos equipamentos e fazer uma avaliação técnica quando a luz voltar — o espaço continua sem abastecimento de energia elétrica e dependendo de geradores para ligar, inclusive, os lava-jatos.
— Estamos trabalhando com todos os nossos esforços para abrir quanto antes, que seria no mês de junho, mas pode ser uma previsão otimista. Como a gente é uma casa de cultura que, para muitos, pode ser encarada como lazer e turismo, para nós, é o nosso dia a dia. É o trabalho de quem atua com a cultura, é o ganha-pão dos artistas, dos técnicos. Então, assim que a gente puder abrir, não só para a população usufruir da casa de novo, mas também para quem depende disso financeiramente, a gente vai fazer — detalha Germana.
A diretora salienta que os acervos da CCMQ foram salvos, bem como exposições que estavam nos andares mais baixos. Ela reforça que todos os equipamentos que eram de fácil manuseio foram levados para as partes mais altas do prédio, evitando, assim, perdas artísticas. Porém, o mobiliário fixo, da casa que ocupa o térreo do prédio do antigo Hotel Majestic, onde viveu Mario Quintana, foi perdido. Vale destacar que os outros espaços, nos andares acima — incluindo o quarto do poeta - estão a salvo.
A Cinemateca
O pôster do documentário Verissimo (2024) segue exposto na Cinemateca Paulo Amorim, convidando o público para exibições que não ocorrerão mais. O espaço de cinema da CCMQ, que é formado por três salas — a Paulo Amorim, a Eduardo Hirtz e a Norberto Lubisco —, foi duramente afetado pela enchente. Os espaços estão tomados pela lama, que verte dos carpetes ao pisar, além do cheiro apodrecido das salas que, sem janelas, não deixam o odor sair. No meio de entulho, é fácil imaginar uma cena de filme de terror.
A água invadiu os três espaços e, com isto, todo o carpete terá que ser substituído, bem como as poltronas — somando-as, são 260. A umidade que se fez presente nos últimos dias, fez com que os móveis mofassem, deixando o local quase intransitável sem máscara. O trabalho será longo para recuperar a estrutura e, de acordo com a coordenadora e curadora do espaço, Mônica Kanitz, o trabalho deverá ser feito em uma sala de cada vez, entregando-as de volta para o público de maneira parcelada.
— As partes de som, de projeção, bem como a tela, como estão em uma parte mais elevada, felizmente, não foram atingidas pela água. Mas, como não tem luz, a gente não consegue avaliar ainda se a umidade danificou de alguma forma o maquinário. É muito triste isso. Estou desolada. Tínhamos um monte de coisas planejadas. Os pôsteres dos filmes ficaram expostos. Eles tinham estreado na quinta-feira, eram inéditos — conta Mônica.
A coordenadora da Cinemateca Paulo Amorim diz que, agora, pretende direcionar verbas que seriam para outros projetos para tentar recuperar o máximo que puder do espaço, mas, por enquanto, ainda não é possível avaliar o total do prejuízo. O local, que abriga filmes mais independentes e que geralmente não entram em cartaz nas grandes redes de cinema, é um reduto dos cinéfilos da cidade e que, agora, terão que esperar.